Capítulo 3 A menina no jardim

Elias não sabia se o jardim era realmente grande, ou se tudo naquela casa tinha a capacidade de parecer assim. Ele caminhava lentamente, com as mãos nos bolsos, evitando olhar para as janelas. Ele ainda se sentia um intruso, como se roupas limpas não fossem suficientes para limpar a lama da noite anterior.

Não havia ninguém lá naquele momento. O funcionário de uniforme cinza disse que ela poderia andar se quisesse, "desde que não incomodasse ninguém".

Eu não incomodaria ninguém. Ele era especialista em desaparecer sem se mover.

Ele parou perto da parede lateral. De lá eu podia ver parte da casa: colunas brancas, janelas altas, uma varanda cercada por trepadeiras. Tudo muito limpo. Tudo muito longe.

Ele virou a cabeça.

Ela estava lá.

A poucos metros de distância. Sentado na beira de uma fonte morta. Sozinho. Como se todo o jardim pertencesse a ela, mas ela não quisesse reivindicá-lo.

Ela estava vestida de preto, com o cabelo solto e sem maquiagem. Ele tinha um romance aberto sobre os joelhos, mas não estava lendo. Ele estava olhando para um ponto fixo entre os arbustos.

Eu não tinha visto. Ou ele tinha visto, mas fingiu que não.

Elias ficou parado. Por reflexo. Por instinto. Como se entrar no campo de visão deles fosse um erro. Como se fosse perigoso... ou sagrado.

A menina fechou o livro calmamente. Ele olhou para cima.

Os olhares se encontraram.

Um segundo.

Dois.

Ela não disse nada.

Ele também não.

Então, como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela se levantou e caminhou em direção a ele.

-Você é o novato?

Elias hesitou.

-Eu acho.

-O que você está fazendo aqui?

-Disseram-me que eu podia ir embora.

Ela estreitou os olhos, ainda calma.

-Isso não foi uma reclamação.

O silêncio continuou.

-Você tem um nome? -perguntado.

-Elias.

-E seu sobrenome?

-Eu não uso sobrenome.

A resposta a surpreendeu. Não porque ela seja insolente, mas porque ela está nua.

"Engraçado", ele murmurou, dando um passo à frente. Meu pai geralmente é reservado, mas não com estranhos.

Elias não respondeu. Ele olhou para baixo, sem abaixar a cabeça.

"Eu vi você ontem à noite", ela disse. De cima. Você não dormiu.

-E você faz?

A pergunta saiu antes que eu pudesse impedi-la. Victoria levantou uma sobrancelha. Ele não sorriu. Mas ele também não foi embora.

-Você sabe o que está fazendo aqui?

-Não totalmente.

-Então temos algo em comum.

Elias piscou, confuso.

-Você também não sabe o que está fazendo aqui?

Victoria sustentou o olhar dele.

-Você nem sempre escolhe onde mora. Às vezes você simplesmente aprende a suportar sem gritar.

Elias não sabia o que dizer. Essa frase... Eu já tinha ouvido, pensado ou sentido isso antes. Mas em outra língua. Em outro confinamento.

Victoria se virou. Ele foi embora sem olhar para trás.

Ele a observou até que ela desapareceu entre os caminhos. Como se a sombra que ela deixou para trás fosse mais real do que ela.

Fragmento de memória – Não cronológico

Lâmpada tubular. Cadeira de metal.

Uma garota. Cabelo trançado. Silêncio forçado.

Um caderno antigo. Uma palavra escrita a lápis.

"Elias".

Alguém limpa com a palma da mão.

-Ninguém deve saber seu nome.

Gabinete do Renato – Depois

-Como você se sentiu hoje? -Renato pergunta, sem tirar os olhos dos papéis.

-Bom -diz Elias.

-Você já conheceu alguém da família?

-Uma garota. Não sei se é família.

Renato acena com um gesto quase imperceptível.

-Vitória. Minha filha. É difícil não vê-la.

-Ela parece não querer ser vista.

Renato permanece em silêncio. Feche uma pasta com mais força do que o necessário.

-Ela é assim. Não espere que eu fale com você duas vezes.

-Não vou procurá-la.

-Melhorar.

Mas o tom de Renato não soou como um aviso. Parecia um aviso para ele mesmo.

Victoria retorna para seu quarto e se tranca. Ele joga o livro na mesa, descuidadamente. Ele para em frente ao espelho.

"Ele não usa sobrenome", ele diz em voz baixa, como se estivesse repetindo algo que não se encaixa.

Ele abre a gaveta da mesa. Tire uma fotografia em preto e branco. Dois homens em uma antiga fábrica. Um deles está usando macacão. O outro, uma criança ao lado dele. O rosto da criança é marcado com uma cruz de lápis.

Victoria o observa, mas não com medo. Com dúvida.

Como se algo estivesse começando a descongelar.

            
            

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