/0/14595/coverbig.jpg?v=d44a74ef42b9d656751155aa56a4cde5)
A casa tinha uma quietude que o envolvia, um silêncio pesado que podia ser sentido em cada canto. Cada passo que Elijah dava ressoava como um aviso, como se a própria mansão o estivesse observando.
Elías estava ali havia três dias, três dias em que as paredes estavam cheias de lembranças alheias, de olhares que ele não conseguia decifrar e de um desconforto que não passava. A casa Altamirano não era apenas grande, era imponente. E havia algo em seu tamanho, em sua frieza, que o lembrava das paredes de seu galpão de infância, aquelas que o cercaram até que o desespero o forçou a fugir. Embora nesta casa tudo parecesse mais suave, mais escondido, menos explícito. Aqui o sofrimento não foi visto, ele foi insinuado.
Naquela manhã, Nina o mandou para a galeria dos fundos para limpar. Era uma ordem simples, mas como tudo naquela casa, havia algo mais escondido por trás dela. "A galeria dos fundos", disse Nina com sua voz rouca, como se aquela parte da casa estivesse enterrada em mais do que apenas poeira. Ela lhe entregou um pano e olhou para ele como se soubesse que Elias nunca questionaria nada, como se não precisasse. Como se ele já tivesse dado a ela poder suficiente sobre ele sem a necessidade de palavras.
Elias tentou passar despercebido desde sua chegada. Eu não precisava chamar atenção. Ele preferia a solidão. Porém, tudo naquela casa o convidava a olhar além do visível, a descobrir os segredos escondidos entre cada dobra das pesadas cortinas e cada sombra nas paredes. Havia algo na mansão que não combinava, algo que ele não conseguia identificar, mas o incomodava. Talvez fosse o fato de que todos pareciam estar jogando uma partida de xadrez, movendo-se com precisão e frieza, e Elijah estava sozinho como um peão.
Quando chegou à galeria, a primeira coisa que notou foi o ar denso e estagnado. A sala estava cheia de memórias que ninguém queria lembrar. Os móveis, cobertos com lençóis amarelos, estavam empilhados uns sobre os outros, como um antiquário abandonado. A poeira cobria tudo, e a luz que entrava pelas janelas altas só servia para destacar os pontos flutuantes no ar, fazendo tudo parecer ainda mais velho. O silêncio era absoluto, quebrado apenas pelo rangido do chão sob seus pés. Elias respirou fundo e entrou.
Ela pegou a vassoura e começou a varrer, mas seu olhar continuava vagando pelo quarto. Os retratos nas paredes, de pessoas que ele não conhecia, pareciam perturbadores para ele. Algumas estavam obscurecidas pela falta de luz, outras mal permitiam que qualquer detalhe fosse visto. Na penumbra, os rostos nos retratos se tornavam sombras distorcidas, como se zombassem dele.
Foi quando ele viu. Uma pequena caixa de joias de madeira, meio escondida entre livros velhos. A madeira estava gasta, mas ainda tinha um brilho fraco. Elias se aproximou, sem saber porquê. Algo dentro dela lhe dizia para olhar, para tocar. Ele o levantou cautelosamente, como se fosse um objeto sagrado, e ao abri-lo, encontrou uma medalha gasta, um pedaço que parecia ter sido arrancado de algo maior. Nele estão gravadas as letras "R.A."O ar pareceu ficar mais denso ao redor dele, e uma estranha sensação de reconhecimento tomou conta dele. Suas mãos tremiam enquanto ele segurava a medalha.
Um flash de seu passado passou por ele: uma criança correndo, o cheiro de óleo rançoso, gritos e, então, silêncio. Elias fechou os olhos com força e desviou o objeto da vista. A imagem desapareceu tão rápido quanto surgiu, mas o sentimento permaneceu. Ele sentiu como se alguém o estivesse observando, como se aquela medalha tivesse sido colocada ali para ele encontrar, como se alguém naquela casa quisesse que ele soubesse de algo. Algo que eu ainda não entendi.
Rapidamente, ele colocou a medalha de volta na caixa de joias e fechou-a bem. Ele deixou o objeto no mesmo lugar onde o havia encontrado e saiu da galeria, sem ousar olhar para trás.
Naquele exato momento, Nina apareceu na porta. Ele estava observando-a em silêncio. Elias olhou para ela e, por um momento, ambos ficaram ali, cara a cara. Não houve palavras por um longo segundo. Apenas o olhar fixo de Nina, que continuava analisando cada um de seus movimentos.
-O que você está fazendo aqui? - ele perguntou, com a voz afiada como o fio de uma faca.
Elias, ainda se sentindo incomodado com a descoberta, respondeu calmamente, sem deixar transparecer sua surpresa.
-Estou limpando, como você me disse.
Nina não disse mais nada. Ele se aproximou da janela e puxou a cortina com um gesto impessoal, como se ele também quisesse deixar um pouco de ar entrar no quarto e dissipar qualquer tensão. Quando ele fez isso, a luz que entrou revelou mais detalhes do ambiente, destacando os livros antigos e as cadeiras cobertas de poeira. Elias sentiu que sua presença ali era quase uma violação, como se tudo na casa estivesse tentando ficar escondido da luz.
Nina o observou por mais alguns segundos e, sem mudar, limpando sua expressão, ele se virou e caminhou em direção à porta.
"A galeria não é para qualquer um, Elias", disse ele antes de sair, lançando um último olhar na direção dela. Nem tudo que é antigo precisa ser revivido.
Elias ficou ali, sem palavras. A frase ecoou em sua mente enquanto a porta se fechava atrás de Nina, deixando o jovem mais uma vez naquela mansão cheia de segredos.
Naquela noite, depois de um jantar tranquilo com sua família, Elias saiu para o quintal. Eu precisava de ar. Ele não entendia por que se sentia tão sobrecarregado por coisas que pareciam tão simples. Como aquele joalheiro. Ou como os olhares furtivos de Victoria, que sempre o evitavam, mas que ele sentia como uma pressão constante no peito.
Ele caminhou pelas sombras do jardim, onde as árvores pareciam figuras espectrais, e então parou em um dos muros. A casa erguia-se ao lado dele, enorme, quase ameaçadora. Sem aviso, ele viu Victoria à distância, caminhando sozinha pelo gramado. Sua figura se movia graciosamente, mas havia algo em sua postura que denotava desconforto, algo que Elias não conseguia identificar exatamente.
Por um momento, ele ficou observando-a das sombras, sem ser visto. Victoria não parecia estar ciente de sua presença. Seu rosto estava imerso em pensamentos, pensativo. O luar a banhava parcialmente, criando um halo suave ao seu redor. Ele observava cada movimento dela, como se estivesse olhando para uma pintura inatingível. Os poucos passos que ela deu pareciam mais um reflexo de seu desconforto do que uma caminhada noturna tranquila.
A noite se arrastou enquanto Elias ficou ali, imóvel, esperando que ela passasse, esperando que a distância entre eles se dissolvesse em algum momento. Mas isso não aconteceu. Vitória continuou seu caminho, sem que ele ousasse dar um único passo em sua direção.
A casa, a sua casa, observava-o das sombras, assim como Victoria. E em algum canto, Elias sentiu que, mais cedo ou mais tarde, aquela quietude o devoraria.