Capítulo 2 Capitulo 1

A pequena lanchonete de kebab parecia ter sido montada às pressas no quintal de alguém e empurrada de qualquer jeito para a rua. O letreiro de néon piscava fracamente, com metade das letras apagadas, e o balcão de metal exibia uma coleção de manchas de procedência duvidosa. Um leve cheiro de gordura pairava no ar, misturando-se à fumaça que subia de uma lixeira em chamas ali perto.

Tommaso hesitou, os olhos alternando entre a grelha fumegante e as bandejas de molhos e acompanhamentos, cujas cores pareciam apagadas sob a fina camada de sujeira que recobria o vidro.

- Aqui estamos - disse Andrea animadamente, aproximando-se do balcão. - Dois kebabs, capricha no molho de pimenta, beleza?

O homem atrás do balcão grunhiu, pegando os espetos de carne e jogando-os na grelha.

Gabriele, que estava um pouco atrás de Tommaso, olhava para a cena como se assistisse a um crime em andamento.

- Isso... isso não parece ser seguro.

- É comida - respondeu Dante secamente, a voz vinda de algum lugar atrás deles. Sem sequer levantar os olhos, acendeu um cigarro, com uma expressão de tédio absoluto.

Carlo apoiou-se no balcão, inspecionando as unhas.

- Não é chique o suficiente pra você?

Gabriele corou, murmurando algo entre dentes, mas Tommaso se adiantou.

- Vou querer o mesmo que ele pediu - disse rapidamente, a voz ligeiramente forçada.

O homem lhe entregou o kebab instantes depois, a gordura já atravessando o papel encerado. Tommaso ficou encarando aquilo, sem saber por onde começar.

Andrea, já na metade do seu, soltou uma risada ao notar a hesitação.

- Come com a mão mesmo - disse ele, gesticulando enquanto dava uma mordida no kebab encharcado de molho.

Tommaso lançou um olhar a Gabriele, que parecia prestes a passar mal, e depois a Dante, que estava sentado na beira de um mureta, o kebab pendendo preguiçosamente de uma mão enquanto, com a outra, deslizava os dedos pelo celular. Ele nem sequer ergueu os olhos.

- Vai lá - incentivou Andrea, sorrindo de lado. - Não vai te matar.

Tommaso hesitou por mais um instante antes de dar uma mordida cautelosa no alimento. Os sabores explodiram na boca - picante, salgado, levemente queimado - e não era... ruim. Um tanto bagunçado, mas não ruim.

Andrea riu da expressão que se formou no rosto de Tommaso.

- Não é o que você está acostumado, né?

- É bom - apressou-se Tommaso em dizer, embora sua voz não soasse muito convincente.

- Tem certeza? - perguntou Carlo, divertido, enquanto acendia outro cigarro.

- Tenho - insistiu Tommaso, dando mais uma mordida no alimento, embora tenha feito uma careta ao ver o molho pingar na manga de sua camisa.

Enquanto isso, Gabriele continuava afastado, braços cruzados e expressão cerrada.

- Vocês sabem que isso viola todas as normas de segurança alimentar imagináveis, certo?

- Relaxa, cara - disse Carlo, com um sorriso, baforando a fumaça do cigarro. - A gente come aqui há anos. E olha pra nós. Perfeitamente normais.

- Isso é discutível - resmungou Gabriele.

Dante, finalmente desviando os olhos do celular, revirou-os com impaciência.

- Se não vai comer, por que ainda tá aqui?

Tommaso olhou para ele, curioso. Havia algo no tom de voz de Dante - não era exatamente hostil, mas havia uma indiferença que beirava o desprezo. Tommaso teve a sensação de que, para ele, ele simplesmente não existia.

- Certo - cortou Andrea antes que o silêncio se estendesse demais. - Vamos acabar logo. Tenho coisas pra fazer.

Tommaso sentou-se desajeitadamente na cadeira de plástico, o papel encerado engordurado do kebab amassando-se em suas mãos. À sua frente, Gabriele lutava bravamente para comer com uma faca e um garfo de plástico sobre um prato de papelão, o rosto uma mistura de determinação e leve repulsa.

Os outros três, no entanto, pareciam perfeitamente à vontade. Carlo recostava-se na cadeira, girando um cigarro entre os dedos enquanto Andrea tagarelava, suas falas entrecortadas por mordidas vorazes no kebab. Dante permanecia calado, um pouco afastado, o casaco jogado displicentemente sobre o encosto da cadeira. Comia sem se importar com a bagunça, uma perna esticada à frente, e a outra batendo impaciente no chão.

Tommaso lançava olhares na direção dele, intrigado. Havia algo magnético naquele garoto, algo na maneira como se movia, era casual, mas tenso, como se estivesse sempre pronto para partir.

E então algo aconteceu.

Dante levantou-se de repente, fazendo Tommaso se sobressaltar e quase deixar o kebab cair de sua mão. Pegou o casaco em um único movimento fluido, vestindo-o enquanto já se dirigia à porta.

- Qual a pressa? - perguntou Andrea, sem nem levantar muito os olhos enquanto devorava o último pedaço de Kebab.

- Tô atrasado - murmurou Dante, jogando a mochila sobre o ombro. Passou a mão pela boca para limpar as migalhas de alimento e tirou uma nota amassada do bolso, largando-a sobre a mesa à frente de Andrea. - Cobre pra mim.

- Você tá sempre atrasado - comentou Carlo secamente, sacudindo um pouco o cigarro fazendo as cinzas cair no chão.

- Pois é - respondeu Dante, já quase do lado de fora da barraca.

- Atrasado pra quê? - Tommaso se viu perguntando de repente, sua voz cortando o zumbido calmo do lugar.

Dante parou perto da porta. Pela primeira vez, virou-se completamente em direção a Tommaso, franzindo ligeiramente a testa como se o visse de verdade pela primeira vez.

- Trabalho - respondeu de maneira seca.

Tommaso inclinou a cabeça, encorajado pela atenção inesperada.

- Onde você trabalha?

Dante o encarou por um momento, com uma expressão indecifrável, antes de finalmente piscar.

- Estúdio de tatuagem.

Gabriele emitiu um som - meio engasgo, meio suspiro - e Tommaso sentiu-o se remexer desconfortável ao seu lado.

Dante não esperou mais qualquer diálogo. Ajustou o casaco nos ombros e caminhou até a porta.

- A gente se vê por aí - disse, jogando a frase por cima do ombro, a voz tingida de um humor seco. - Isso se vocês não forem assaltados primeiro.

Carlo soltou uma risadinha abafada, enquanto Andrea caiu na gargalhada, mas os olhos de Tommaso seguiram Dante enquanto ele desaparecia na noite fria.

A porta balançou atrás dele com um leve tilintar, deixando um rastro de ar gelado.

Carlo riu, puxando outra tragada lenta do cigarro.

- Será que eles sobrevivem até chegar em casa?

Andrea soltou uma gargalhada, mas Tommaso mal prestou atenção. Continuava encarando a porta, o kebab esquecido em sua mão.

Dante nem sequer o olhara direito. Parecia que Tommaso não tinha importância alguma.

Ele não estava acostumado àquilo. As pessoas sempre o notavam - olhavam para ele, o elogiavam, queriam estar perto de si.

Mas Dante? Dante mal o tinha visto. E Tommaso se pegou desejando mudar aquilo, embora não soubesse exatamente o porquê.

Do lado de fora da barraca, o ar frio pressionava as janelas de vidro da barraca, enquanto Tommaso permanecia em silêncio, sentindo que a lanchonete de kebab havia encolhido sem a presença de Dante.

Dez minutos depois, a porta da barraca tilintou quando Carlo e Andrea saíram, conversando baixinho enquanto se afastavam na noite. Tommaso os observou desaparecerem na esquina, suas risadas se dissolvendo no zumbido baixo da cidade.

- Certo, vamos - disse Gabriele apressadamente, levantando-se e limpando migalhas imaginárias de comida do suéter. Seus olhos se voltaram, inquietos, para a janela. - Vamos pegar um táxi e ir embora.

- Claro - respondeu Tommaso, embora sem muita convicção. Jogou a bolsa sobre o ombro e seguiu Gabriele até a rua. Assim que saíram da pequena lanchonete, o frio cortante da noite os envolveu, atravessando o tecido fino de suas roupas.

Gabriele puxou o celular do bolso, abriu um aplicativo e começou a tocar a tela furiosamente. Poucos segundos depois, congelou, a expressão endurecendo.

- O que foi? - perguntou Tommaso, lançando um olhar nervoso por cima do ombro e para todos os lados.

Gabriele soltou um gemido, passando a mão pelos cabelos.

- O que foi? Vou te dizer o que foi: nenhum táxi aceita corrida para esta parte da cidade!

- Nenhum?

- Nenhum. Zero. Nada. - Gabriele girou sobre os calcanhares, frustrado. - É por isso que a gente não devia embarcar nessas suas "aventurinhas", Tommaso! Tá escurecendo e estamos presos numa área onde devem nos enxergar como caixas eletrônicos ambulantes!

Tommaso cruzou os braços.

- Não vejo motivo pra tanto drama. A gente dá um jeito.

- Ah, claro - disparou Gabriele, erguendo as mãos, exasperado. - Sabe qual é o problema? Você é o herdeiro do trono da Itália! Isso aqui não é um mochilão divertido! Se a gente não sair vivo dessa, vão fazer um documentário sobre como o príncipe Tommaso morreu numa lanchonete de kebab!

Tommaso revirou os olhos.

- Para de exagerar. A gente vai sair dessa. Você é que tá entrando em pânico.

- Em pânico? - Gabriele apontou um dedo para ele, indignado. - Você tá usando um suéter *Ralph Lauren no meio dessa quebrada! Mais fácil seria andar com um letreiro de néon na cabeça dizendo "Assaltem-me"!

Tommaso franziu a testa, olhando para o próprio moletom oversized.

- Qual o problema com o meu suéter?

- O problema - sibilou Gabriele - é que é de grife, Tommaso! Pelo amor de Deus, vira essa droga do avesso antes que decidam arrancá-lo de você!

- Isso é exagero.

Gabriele o encarou como se Tommaso tivesse sugerido equilibrar facas nos dedos.

- Exagero?! Eu tô com um suéter branco comum, como uma pessoa sensata. E você aí, desfilando como capa de revista! Vira essa porcaria!

- Tá bom - resmungou Tommaso, puxando o moletom pela cabeça e virando-o do avesso. As costuras ásperas arranhavam sua pele, e a etiqueta pendia desajeitada sobre o peito. - Feliz agora?

- Radiante - respondeu Gabriele, seco.

Ficaram ali por um momento, lançando olhares nervosos para os dois lados da rua.

- Então - disse Tommaso, devagar. - O que fazemos agora?

Gabriele esfregou a testa, murmurando algo inaudível.

- A única opção razoável é ligar pro palácio.

Tommaso virou-se tão rápido que quase tropeçou.

- De jeito nenhum!

- Tommaso...

- Tô falando sério! - sibilou ele. - Prefiro morrer nesse beco do que deixar meus pais saberem que eu fugi. Você faz ideia do que meu pai faria se descobrisse?

Gabriele cruzou os braços.

- Provavelmente te colocaria de castigo. Mas qual é a alternativa? Dormir na calçada?

Tommaso ignorou, andando de um lado para o outro, até lançar um olhar em direção à lanchonete.

- Espera. Vamos perguntar pro cara da barraca onde aqueles meninos moram.

Gabriele o encarou, incrédulo.

- O quê? Por quê?

- Porque eles devem conhecer um caminho seguro pra sair daqui - disse Tommaso, como se fosse óbvio. - Eles moram aqui. Sabem como atravessar a cidade sem ser assaltados.

Gabriele gemeu.

- Essa é uma ideia péssima. Por que iríamos até a casa deles?

- Não vamos ficar lá, Gabriele. Vamos apenas pedir uma direção.

Com um suspiro resignado, Gabriele seguiu Tommaso de volta para dentro da lanchonete. O homem atrás do balcão, limpando as mãos num avental engordurado, ergueu os olhos quando eles entraram.

- Voltaram rápido - disse ele, sem muita emoção.

Tommaso avançou, esboçando seu sorriso mais encantador.

- Oi. A gente queria saber se, por acaso, você sabe onde aqueles meninos moram?

O homem franziu o cenho.

- Quem tá perguntando?

Gabriele soltou um gemido audível, segurando Tommaso pelo ombro.

- Isso é estupidez pura. - E, sem hesitar, sacou uma nota nova de cem libras da carteira e a jogou no balcão. - Só precisamos de direções. Onde?

O homem lançou um olhar para o dinheiro e sorriu, divertido. Sem dizer uma palavra, embolsou a nota.

- Sigam a estrada principal à esquerda, e peguem o segundo beco à direita. Fica logo depois da casa de penhores.

Gabriele murmurou um "Graças a Deus" quase inaudível.

Tommaso já se virava para sair, quando o homem disse:

- Boa sorte - disse com um riso abafado. - Vão precisar.

            
            

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