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A rua estava inquietantemente silenciosa enquanto Tommaso e Gabriele seguiam em direção ao segundo beco que o homem da barraca havia descrito. As sombras se espalhavam sob a luz fraca dos postes, estendendo-se de forma ameaçadora sobre o asfalto rachado. A mão de Gabriele apertava o braco de Tommaso, o aperto se intensificando a cada passo.
- Isso é ridículo - sibilou Gabriele entre dentes. - Devíamos ter ficado na barraca até um táxi milagrosamente decidir aparecer. Ou melhor ainda: ter ligado para o palácio e aguentado a humilhação. Pelo menos assim não estaríamos-
- Shhii - cortou Tommaso, a voz tensa. Seus passos diminuíram um pouco enquanto ele lançava um olhar por sobre o ombro.
Gabriele seguiu o olhar do amigo. Atrás deles, três figuras caminhavam despretensiosas na direção deles. Os passos dados por eles eram despreocupados, mas havia algo no modo como se moviam - cabeças levemente inclinadas em arrogância casual, vozes carregadas de escárnio, pairando no ar noturno - que fez o coração de Tommaso acelerar.
- Continua andando - sussurrou o loiro, apressando o passo.
- Por quê? - perguntou Gabriele, a voz começando a trair o pânico.
- Porque eles estão nos seguindo!
Gabriele olhou para trás novamente e arregalou os olhos.
- Ah, ótimo. Fantástico, Tommaso. Uma hora fora do palácio e já vamos ser assaltados. Ou coisa pior. Você faz ideia do que minha mãe vai dizer se eu-
- Gabriele, anda!
Eles dispararam numa corrida, que logo virou uma fuga, corriam rápido, enquanto as vozes zombeteiras atrás deles se intensificavam. O som de passos os seguia, mas os risos dos homens soavam divertidos - como se estivessem se deliciando com o pânico alheio.
- Tommaso! - gritou Gabriele, ofegante. - Se eu morrer, juro que vou assombrar você para o resto da vida!
- Cala a boca, Gabriele! - retrucou Tommaso, entre arfadas, forçando as pernas a correrem mais rápido.
Gabriele tropeçou, chocado, mas conseguiu manter o ritmo.
- Desculpa? Uma hora fora do palácio e agora você fala assim?!
Tommaso o ignorou. O peito ardia enquanto virava em uma esquina. As vozes atrás deles diminuíram, mas elas não cessaram, os pés batendo com força contra o chão, cruzando ruas desconhecidas em desespero.
Só depois de dobrar mais um quarteirão, Tommaso olhou para trás e percebeu que haviam despistado os perseguidores.
- Acho que... - arfou, se curvando e colocando as mãos nos joelhos. - Acho que eles desistiram.
Gabriele reduziu o ritmo, curvando-se para recuperar o fôlego.
- Brilhante. Conseguimos fugir. Agora é só esperar a exaustão fazer o serviço.
Tommaso revirou os olhos, enxugando o suor da testa. Nem bem suspirou de alívio, e Gabriele deu outro passo e colidiu violentamente com alguém.
O impacto lançou a pessoa ao chão com um palavrão alto.
Tommaso congelou, encarando a figura caída, que gemia enquanto segurava o nariz.
- Que porra foi essa, cara? - a voz soou familiar, carregada de irritação. - Vocês de novo?
O coração de Tommaso afundou no peito quando Carlo se ergueu do chão, o olhar fulminante. Sangue escorria do nariz, e os olhos escuros faiscavam de raiva.
- Meu Deus - balbuciou Tommaso, correndo até ele. - Desculpe! A gente não queria, quer dizer, estavam nos seguindo, e a gente correu, e-
Carlo ergueu a mão, interrompendo a enxurrada de palavras. Parecia mais irritado do que ferido.
- Que diabos vocês tão fazendo aqui, afinal? - murmurou, apertando a ponte do nariz e examinando os dedos manchados de sangue.
Nenhum dos dois respondeu.
Carlo franziu a testa, o olhar indo de um para o outro.
- Tá. Onde vocês moram?
Gabriele abriu a boca, mas Tommaso se adiantou:
- No centro da cidade - disse rapidamente. As bochechas coraram. - É... um pouco longe.
Carlo bufou.
- Claro. Lógico.
Antes que Tommaso pudesse responder, a porta da casa ao lado rangeu ao se abrir. Andrea surgiu, na penumbra.
- Tá tudo certo aí? - perguntou, e seus olhos pousaram sobre Tommaso e Gabriele. Um sorriso largo surgiu em seu rosto. - Ah, são vocês!
- É - resmungou Carlo, ainda esfregando o nariz. - Eles mesmos.
Tommaso forçou um sorriso fraco.
- Eles não têm como voltar - explicou Carlo, apontando com a cabeça na direção dos dois. - Estão totalmente perdidos.
O sorriso de Andrea se alargou ainda mais, mas antes que pudesse dizer algo, Carlo completou:
- Podemos ajudar. Nosso vizinho tem umas motos. Ele empresta por alguns trocados.
Tommaso piscou.
- Motos?
- É, motos - esclareceu Carlo.
Gabriele empalideceu.
- Não. De jeito nenhum. Nem pensar.
Tommaso hesitou.
- Eu nem sei pilotar uma.
- Bom - disse Carlo, ríspido - ou é isso, ou vocês dormem na calçada. Vocês escolhem.
Andrea se inclinou até Carlo e sussurrou:
- Você sabe que o Dante não vai topar isso.
Carlo suspirou.
- Eu falo com ele.
Gabriele, ainda com o olhar aflito, perguntou:
- Por que vocês mesmos não levam a gente? Você ou o Andrea?
- Eu não piloto - respondeu Andrea alegremente.
Carlo revirou os olhos.
- Vocês deviam agradecer por eu estar oferecendo. - E puxou o celular, começando a discar o número do amigo.
- Quanto ele cobra? - perguntou Tommaso, em voz baixa.
Carlo deu de ombros.
- Vinte por cabeça.
Gabriele fez uma careta.
- Só temos notas de cem.
Carlo e Andrea piscaram, mas Carlo logo deu de ombros outra vez, com o celular no ouvido.
- Fico com o troco. Considerem uma gorjeta.
Tommaso sequer se importou. Mal ouviu os resmungos de Gabriele sobre estarem sendo explorados. Sua mente já estava em outro lugar - se perguntando se isso significava que veria novamente o garoto de olhos azuis.
Carlo afastou o telefone da orelha, parecendo levemente aborrecido.
- O Dante disse que o turno dele acaba às onze. Vocês vão ter que esperar um pouco.
Andrea se encostou ao batente da porta, um sorriso maroto se formando nos lábios.
- Bom, não faz sentido vocês ficarem aí fora com cara de cachorro perdido. Entrem.
Gabriele hesitou, olhando nervoso para Tommaso. Este apenas assentiu se sentindo levemente encorajado e deu um passo à frente. Com um suspiro resignado, Gabriele o seguiu.
A escada rangeu de forma inquietante enquanto subiam, e Gabriele fazia uma careta a cada degrau. Tommaso o ouviu murmurar algo sobre a integridade estrutural do lugar, mas manteve-se calado, focado no cheiro leve de cigarro e em algo quente e condimentado que pairava no ar.
Ao chegarem ao topo, Andrea abriu a porta do apartamento e se afastou, fazendo um gesto para que entrassem. Tommaso hesitou na soleira da porta, incerto quanto ao que encontrar ali dentro.
Para sua surpresa, o apartamento era limpo - surpreendentemente limpo. Pequeno, mas arrumado, com móveis simples, descombinados, porém bem-cuidados. Um sofá desbotado encostava-se a uma parede, uma mesinha de madeira ocupava o centro do cômodo, e uma cozinha modesta preenchia o canto, com bancadas livres de qualquer bagunça. Algumas plantas adornavam o parapeito da janela, as folhas verdes e bem cuidadas.
Tommaso piscou, momentaneamente desconcertado. Não sabia bem o que esperava encontrar - talvez bagunça, caos, o tipo de desordem que Gabriele sempre falava com desprezo ao mencionar a "classe baixa". Mas aquilo? Aquilo era diferente.
- É... agradável - disse Tommaso em voz alta, antes que pudesse se conter.
Andrea soltou uma risada e deu um tapa amistoso nas costas do loiro ao passar por ele.
- O quê, esperava algo pior?
- Não! - apressou-se Tommaso, sentindo o rosto corar. - Eu só quis dizer que... é acolhedor.
Carlo bufou, jogando as chaves sobre o balcão.
- Acolhedor. Essa é uma forma menos ofensiva de dizer que somos pobres à beça.
Gabriele, por sua vez, fazia o possível para parecer impassível diante da situação, embora o modo como seus olhos percorriam o ambiente denunciasse o desconforto. Movia-se com rigidez, como se temesse que o chão desabasse sob seus pés, e sentou-se cuidadosamente na beirada do sofá, parecendo tão deslocado quanto um gato numa banheira.
- Estão com fome? - perguntou Andrea, indo até a geladeira, pegando uma garrafa d'água. - Temos... bom, vejamos. - Ele espiou lá dentro. - Meia pizza, um resto de curry e... ah, um pacote de Jaffa Cakes.
Gabriele pigarreou, erguendo o queixo com uma polidez forçada.
- Ainda estamos satisfeitos com o... seja lá o que aquilo era, mas obrigado.
Andrea deu de ombros, pegando uma fatia fria de pizza para si.
- Como quiserem.
Tommaso, no entanto, ainda examinava o lugar, atento aos detalhes. Havia uma estante pequena perto da porta, repleta de livros e DVDs, e acima dela um mural de cortiça com fotos aleatórias, recibos e pedaços de papel presos por alfinetes. Um casaco pendia do encosto do sofá e um par de botas repousava ordenadamente junto à porta.
Parecia habitado, pensou Tommaso. Vivo. Quente.
- Fiquem à vontade - disse Andrea, afundando-se no sofá ao lado de Gabriele e dando uma enorme mordida na pizza.
- Obrigado - respondeu Tommaso, sentando-se numa poltrona de frente para eles.
Carlo acendeu um cigarro, encostando-se ao balcão enquanto os observava.
- Então - disse, após um momento, soltando uma nuvem fina de fumaça -, o que exatamente vocês dois estavam fazendo perambulando por essa parte da cidade?
Gabriel e enrijeceu visivelmente.
- Isso não é da sua-
- A gente se perdeu - interrompeu Tommaso com um sorriso tímido e sem graça. - E, bem... não conseguimos um táxi.
- É, dá pra ver - disse Carlo, com um meio sorriso.
- Perdidos - repetiu Andrea, com um ar divertido. - Devem ter errado feio o caminho para virem parar aqui.
Tommaso deu de ombros, tentando parecer despreocupado, mas o modo como Carlo o encarava fazia sua pele formigar. Era como se o outro conseguisse enxergá-lo por inteiro, e por um instante breve - e assustador -, Tommaso se perguntou se Carlo sabia quem ele era.
- E agora, qual é o plano? - perguntou Carlo, apagando o cigarro num cinzeiro lascado.
- Plano? - repetiu Gabriele, a voz tensa.
- Vão ficar aí sentados a noite toda ou tão esperando alguém vir buscar?
- Dante - interveio Andrea, ainda mastigando seu pedaço de pizza. - Quando ele sair do trabalho, leva um de vocês. Se ele não se importar é claro.
- E se ele se importar? - perguntou Gabriele, desconfiado.
- Então é melhor começarem a procurar caixas de papelão - disse Carlo, impassível.
Tommaso conteve o riso, mas não rápido o bastante para evitar o olhar fulminante de Gabriele.
- Bom, por ora - disse Andrea, levantando-se e limpando as migalhas das mãos -, fiquem à vontade. Não Carlo, você tem cartas?
- Por que eu teria cartas?
- Sei lá. Vai que.
Carlo revirou os olhos, mas abriu uma gaveta e atirou um baralho surrado sobre a mesa.
- Divirtam-se.
Andrea sorriu e começou a embaralhar com habilidade as cartas.
- Topa uma partida? - perguntou a Tommaso, com um tom leve e provocador.
Tommaso sorriu também, sentindo a tensão inicial começar a se dissipar.
- Claro.
Enquanto Andrea distribuía as cartas, Gabriele se inclinou em direção a Tommaso e sussurrou:
- Isso é uma péssima ideia.
- Vai dar tudo certo - respondeu Tommaso, embora nem ele tivesse tanta certeza disso.
Carlo continuava encostado no balcão, observando-os com um sorriso divertido.
- Isso vai ser interessante.
E, ao pegar suas cartas, Tommaso não conseguiu evitar o pensamento: o que Dante iria pensar ao chegar em casa e encontrar dois estranhos sentados em sua sala?
Mais tarde, Carlos e Andrea saíram para buscar as motos com o vizinho. O apartamento mergulhou num silêncio inquietante. Gabriele continuava enrijecido no sofá, se remexendo como se tivesse medo de quebrar alguma coisa. Tommaso, por sua vez, deixava o olhar vagar pelo cômodo, embora a mente estivesse em outro lugar.
Quando a porta rangeu ao se abrir novamente, Tommaso se endireitou. Carlo e Andrea entraram conversando baixo, seguidos por Dante, que bocejava e se espreguiçava ao fechar a porta atrás de si. Parecia exausto, com os cabelos bagunçados e a camisa de trabalho desalinhada.
Os olhos de Tommaso se acenderam ao vê-lo. Mais uma vez, encontrou-se esperando que Dante o olhasse, que o notasse de algum modo. Mas Dante sequer lhe dirigiu um olhar - ele apenas murmurou algo sobre precisar de um banho enquanto tirava o casaco e deixava sobre o sofá.
Tommaso se aproximou de Gabriele, sussurrando com entusiasmo:
- Você vai com o Carlo. Eu vou com ele.
Gabriele franziu a testa.
- A gente não vai ficar aqui decidindo quem vai com-
- O Gabriele vai com o Carlo - declarou Tommaso em voz alta, cortando a fala do amigo.
O silêncio caiu de imediato. Carlo, Andrea e Dante se viraram para encará-los, confusos.
Carlo piscou, depois deu de ombros, pegando o casaco.
- Tanto faz.
Andrea sorriu, malicioso, mas não comentou. Apenas acenou preguiçosamente enquanto caminhava em direção à porta.
- Foi um prazer conhecer vocês - disse com um sorriso travesso. - Mas talvez na próxima vez vocês possam evitar esse lado da cidade, hein?
Assim que a porta se fechou, o silêncio retornou. Tommaso e Gabriele trocaram olhares tensos, seus olhares indo para as motos que os aguardavam do lado de fora.
Dante gemeu, passando a mão pelo rosto.
- Por que diabos eu tô fazendo isso mesmo?
Carlos ergueu a nota amarrotada de cem libras.
- Por isso.
Dante revirou os olhos, mas não discutiu. Tirou um cigarro do bolso e o acendeu com o auxílio de um isqueiro.
Tommaso não se importava se Dante estava fazendo aquilo apenas pelo dinheiro. Havia algo nele - algo magnético, irritante, impossível de ignorar - que Tommaso não conseguia tirar da cabeça. E o modo como Dante o tratava, como se ele fosse só mais um qualquer... Tommaso ainda não sabia se isso o incomodava ou o intrigava.
Gabriele, por outro lado, finalmente conseguiu se equilibrar na moto de Carlo, não sem antes reclamar insistentemente da falta de capacete. Carlo soltou um gemido e enfiou o próprio capacete nas mãos dele.
- Toma. Só... por favor. Cala a boca.
Gabriele não parecia exatamente convencido, mas colocou o capacete com relutância. Carlo montou na moto com um movimento ágil e ligou o motor, cujo ronco estrondoso ecoou pela rua silenciosa.
- A gente se encontra no centro - gritou Carlo por cima do barulho da moto.
Dante assentiu brevemente, tragando com força seu cigarro enquanto Carlos e Gabriele partiam. O olhar de Tommaso voltou imediatamente para Dante, observando-o enquanto ele soltava a fumaça no ar frio da noite.
- Sabe - disse Tommaso, quebrando o silêncio -, cigarro faz mal pra saúde.
Dante finalmente o encarou, os olhos azuis estreitos, cintilando com ironia.
- Sério? - disse com sarcasmo mordaz. - Não reparei no alerta gigante na embalagem. Valeu pelo toque.
O rosto de Tommaso corou, e Dante soltou um meio sorriso antes de jogar o cigarro no chão e esmagá-lo com a bota. Subiu na moto com facilidade e, em seguida, fez um gesto com a cabeça para que Tommaso montasse atrás.
- Vamos, Doutor Boas Maneiras - disse, seco.
Tommaso hesitou, olhando para a moto. Não que fosse completamente inexperiente - ele já cavalgara, e aquilo era tecnicamente parecido, certo? Ainda assim, os dedos atrapalharam-se com o capacete, e ele lançou um olhar incerto para Dante.
- É... você pode... ? - perguntou em voz baixa, estendendo o capacete.
Dante o encarou por um segundo, depois suspirou fundo e se inclinou para ajudar.
- Você é um caso perdido - resmungou, ajustando as alças do capacete. Seus dedos roçaram a pele de Tommaso de leve, e ele sentiu a respiração prender-se no peito.
- Pronto - disse Dante, afastando-se. - Só tenta não cair.
Tommaso subiu na moto, sem saber ao certo onde pôr as mãos. Ficou com elas pairando no ar por um momento, até que Dante lançou um olhar por cima do ombro.
- É pra segurar, gênio - disse ele, com um sorriso enviesado.
Tommaso hesitou.
- Segurar... onde?
Dante revirou os olhos e deu um solavanco repentino na moto, fazendo Tommaso soltar um grito e agarrar-se instintivamente à cintura dele.
- Assim mesmo - disse Dante, agora sorrindo abertamente.
Tommaso apertou mais o abraço, o coração disparado - não apenas pelo movimento brusco, mas pela proximidade com Dante. Esperava, com fervor, que seu rosto não estivesse tão vermelho quanto parecia estar.
Quando a moto rugiu sob eles e disparou pelas estradas mal iluminadas, Tommaso não conseguiu evitar a pergunta que se formava em sua mente:
Será que Dante tinha feito aquilo de propósito?