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Selena já sabia: Dante odiava perfume forte, atrasos e vozes agudas.
Por isso, todos os dias, ela chegava dez minutos antes, usava um floral discreto que evaporava em uma hora e falava com ele como se estivesse dando ordens disfarçadas de sugestões.
Funcionava.
Dante Valli não confiava em ninguém.
Mas confiava nela.
Até onde um homem como ele pode confiar em alguém que deixa seu café do jeito certo, antecipa suas respostas em reuniões e sabe exatamente quando calar?
Ele não perguntava sobre sua vida pessoal.
Ela não perguntava sobre os demônios nos olhos dele.
Era um pacto silencioso.
E cada segundo que passava ao lado dele era mais um fio puxado na armadilha que Selena vinha tecendo com paciência assassina.
~//~
A manhã estava carregada. Reuniões back-to-back. Audiências. Um novo contrato internacional. Dante já estava de mau humor antes mesmo das sete da manhã.
Selena entrou no escritório sem bater. Sempre fazia isso. Ele odiava quando batiam, era um sinal de hesitação. E Selena não hesitava.
"Nova minuta do acordo com os russos. E a cláusula de confidencialidade que você esqueceu de incluir ontem", disse, colocando os papéis sobre a mesa.
Ele ergueu os olhos, gelados, irritados. Como se já esperasse ser contrariado antes mesmo do primeiro café.
"Você tem certeza que trabalha pra mim, Reyes?"
Ela se inclinou levemente, as mãos apoiadas na borda da mesa. A blusa de seda se ajustava ao corpo como provocação involuntária - ou absolutamente planejada. Os olhos dele caíram por um segundo a mais do que o necessário.
"Você quer que eu pare de salvar a sua pele?"
"Quero que pare de agir como se soubesse mais que eu."
"Mas eu sei."
O silêncio que seguiu não era de tensão. Era de hábito. Eles já tinham ensaiado essa cena dezenas de vezes. O flerte, a provocação, a raiva disfarçada de atração. Um ciclo vicioso. Nenhum dos dois quebrava. Nenhum dos dois cedia. Ainda.
Dante recostou-se na cadeira de couro. Observou-a com o mesmo olhar que reservava a adversários - mas com um toque de algo mais sujo.
"Você tem uma língua afiada demais pra uma secretária."
"E você tem olhos que demoram demais pra subir pro meu rosto."
Ele não respondeu. Só manteve o olhar nela por mais dois segundos do que deveria. Ela estava acostumada com isso. Quase se alimentava disso.
"Vista algo decente pra reunião com os investidores. A última blusa quase causou uma guerra civil na sala."
Ela deu meia-volta, mas parou na porta.
"Foi só seda. A guerra foi culpa do seu olhar."
Saiu antes que ele pudesse retrucar.
No corredor, Selena passou por três funcionárias que cochichavam como sempre. Nenhuma delas a suportava. Parte era inveja. Parte era o medo velado de que ela soubesse algo que ninguém mais sabia.
E sabiam.
Ela sabia.
Demais.
Já fazia sete meses que estava infiltrada ali. Tempo suficiente para ganhar a confiança do homem mais paranoico da costa leste. Tempo suficiente para conhecê-lo melhor do que qualquer pessoa viva.
Ela sabia como ele respirava quando mentia. Sabia os números que o deixavam nervoso. Sabia o nome da ex-mulher que ninguém mencionava. Sabia até o horário que ele perdia o controle e saía para correr no subsolo - como se fugisse de algo que o perseguia por dentro.
Ela conhecia o monstro.
E, por alguma maldita razão, começava a se perguntar se o monstro não era feito da mesma lama que ela.
~//~
À tarde, ela foi chamada para a sala de reuniões do 47º andar. Dante estava de pé, com os braços cruzados, observando o vidro que dava para a cidade. Posição típica de predador em repouso.
"Preciso que viaje comigo amanhã", ele disse, sem rodeios. "Contrato com os italianos. Quero você na mesa."
"Agenda cheia. Você tem uma reunião com o ministro às dez."
"Cancele."
"Vai gerar falatório." Avisou.
"Cancele, Reyes."
Ela cruzou os braços, desafiadora.
"Você quer me levar porque confia na minha análise jurídica, ou porque não quer dormir em hotel sozinho?"
Ele virou o rosto, devagar. A expressão era ilegível.
"Você está se superestimando." Ele disse.
"E você está mentindo." Ela acusou
Os olhos dele brilharam, perigosos. Por um segundo, o ar entre eles ficou espesso.
Ele deu um passo à frente. Ela não recuou.
"Cuidado, Selena. Isso que você faz... esse jogo... uma hora você vai cruzar uma linha."
Ela levantou o queixo, sem piscar.
"E você vai adorar quando eu cruzar."
Ele a encarou por mais um segundo.
"Arrume as malas."
Ele saiu da sala, e ela ficou sozinha.
Mas não por muito.
Um reflexo estranho apareceu no vidro.
Por trás dela.
Algo que não estava ali antes.
Quando Selena virou, não havia ninguém.
Mas o frio na espinha ficou.