Capítulo 4 Nasce a verdadeira luz

O céu já não era o mesmo.

A cada madrugada, as constelações oscilavam em agitação. Os ventos solares sopravam mais fortes. E os portais entre os mundos estelares vibravam em uma frequência de tensão que os mais antigos não viam desde os tempos da Primeira Guerra Celeste.

Na Cúpula da Lua, Lunara contemplava em silêncio o orbe de prata líquida suspenso diante de si. Seus olhos de névoa estavam fixos na imagem que o espelho cósmico projetava: Nayla, sua filha, com Elios - o filho de Solaris - nos braços, entre beijos, carícias, promessas.

O sangue de Lunara gelou. A dor veio primeiro. Depois, a raiva. E, por fim, a certeza.

- Ela traiu nosso céu - murmurou, a voz afiada como gelo quebrando.

Ela desceu os degraus da cúpula com passos calmos, mas seu poder sacudia as colunas de cristal da cidadela lunar. Guardiãs se curvaram em seu caminho, sentindo o ar rarefeito, a força dela crescendo como uma maré silenciosa.

Nayla, ainda sonhadora após a fuga, caminhava pelos jardins suspensos quando sentiu o chão tremer sob seus pés. Antes que pudesse se virar, duas sombras emergiram das colunas - sentinelas de prata - e a cercaram.

- Mãe? - Nayla chamou, confusa.

Lunara surgiu entre as árvores de luz, o semblante sereno como uma noite sem lua.

- Filha, venha comigo. Agora.

- O que está acontecendo?

- Você saberá no tempo certo. - E em um gesto súbito, ergueu a mão. Nayla sentiu uma pressão ao redor do corpo, como se o ar se tornasse líquido espesso, envolvendo-a e imobilizando-a com delicadeza cruel.

- Mãe! - gritou, tentando se libertar. - Por quê?

- Porque você rompeu o pacto. Tocou o Sol com mãos da Lua. E isso tem um preço.

A escuridão tomou Nayla, e ela foi levada para o Núcleo da Lua - uma prisão encantada onde o tempo se diluía e os sons não escapavam. Era onde os traidores, os instáveis e os sonhadores demais eram mantidos. Era onde a liberdade morria em silêncio.

Do outro lado do céu, no Salão Dourado do Clã Solar, Solaris socava o trono de ouro com os punhos cerrados. Seu rosto ardia em fúria, e seus olhos, normalmente calmos como o horizonte ao amanhecer, eram agora tempestade.

- Ela o enfeitiçou! - bradou. - Aquela filha de Lunara! Uma serpente de prata entre as constelações!

Elios estava diante dele, o rosto firme, os olhos brilhando em indignação.

- Ninguém me enfeitiçou. Eu a amo.

- Amor? - Solaris cuspiu a palavra como se fosse veneno. - Não existe amor entre o sol e a lua! Ela te seduziu para destruir nosso legado. Sempre foi esse o plano das lunarianas. São belas, mas frias. Ilusão pura!

- Você não entende - disse Elios, mais calmo. - Não é sobre guerra, poder ou disputa. É sobre nós dois. O que sentimos é real. Eu não vou negar isso só porque você e Lunara vivem agarrados a uma rivalidade milenar!

Solaris se levantou em um ímpeto. Sua armadura reluziu em chamas, e o salão inteiro pareceu arder com sua presença.

- Você ousa me enfrentar? Seu próprio pai?

- Eu sou seu filho, sim. Mas antes de ser um guerreiro solar, sou um ser livre. E escolhi Nayla.

O silêncio se instalou. Solaris encarou o filho, o olhar endurecido.

- Se não vai me obedecer como filho... que ao menos me tema como soberano.

E saiu do salão, deixando Elios sozinho entre brasas e sombras.

Nos dias que se seguiram, o céu estremeceu.

Solaris convocou seus generais. Chamou as Fornalhas Interiores para reacender as Espadas de Luz. Pela primeira vez em milênios, os portões do Arsenal Estelar foram abertos. As trombetas do Sol tocaram - um chamado ancestral à guerra.

- Vamos libertar meu filho do feitiço da Lua - disse ele diante de seu conselho. - Ou queimaremos as muralhas prateadas até que não reste pó.

Enquanto isso, Nayla permanecia presa sob a Lua, em um quarto de mármore transparente que mostrava o infinito do cosmos, mas não permitia tocá-lo. Ela gritava, suplicava, e às vezes chorava - não de medo, mas de saudade.

- Elios... - murmurava à noite. - Eu sei que você virá.

Lunara a visitava em silêncio, com o coração dividido. Ela amava a filha, mas seu medo era maior. Medo do passado se repetir. Medo da dor que quase destruiu sua linhagem quando ela mesma ousou amar uma estrela solar e viu sua irmã morrer por isso.

- Eu te protejo até mesmo de você mesma - disse ela certa noite, os olhos marejados. - Porque sei onde esse caminho leva. E você ainda é jovem demais para ver.

- Mãe, não me proteja da felicidade. Me proteja do vazio de não vivê-la.

Lunara saiu sem responder.

Elios, por sua vez, preparava-se para agir.

Recusando-se a obedecer às ordens de guerra do pai, ele reuniu aliados antigos. Algumas estrelas errantes, outras rebeldes - almas livres como ele. Entre elas, Lyara, que agora aparecia com frequência, sempre surgindo como um cometa imprevisível.

- Você quer invadir a Lua? - perguntou ela, sentada na beirada de um asteroide suspenso.

- Quero libertá-la. Antes que tudo vire pó.

- Vai provocar um cataclisma.

- Então que venha. Mas que venha com verdade.

Lyara o olhou por longos segundos e, enfim, assentiu.

- Há caminhos que nem o Sol nem a Lua conhecem. E eu posso te mostrar um.

Naquela mesma noite, enquanto os preparativos de guerra se intensificavam, Elios partiu rumo ao desconhecido com sua pequena comitiva. Seu coração ardia em chamas, mas seus passos eram firmes.

Do alto da cúpula de seu cativeiro, Nayla sentiu um calor estranho envolver a Lua. Fechou os olhos. Sorriu.

- Ele está vindo...

No centro do céu, as linhas do destino começavam a se entrelaçar. O som dos exércitos se movendo ecoava pelos cantos esquecidos das galáxias. A guerra se aproximava, não por poder, mas por amor. E isso a tornava ainda mais perigosa.

Nas sombras, Lyara observava tudo - um leve sorriso nos lábios.

- Queimem-se, estrelas... às vezes, só no caos nasce a verdadeira luz.

            
            

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