Capítulo 3 Sob o véu da névoa

O cheiro de fumaça ainda impregnava o ar quando Ella e Adrian deixaram as ruínas da mansão. A névoa da madrugada envolvia a cidade, criando uma barreira quase etérea entre o que tinham deixado para trás e o que os aguardava adiante.

Cada passo era uma ruptura silenciosa com o passado. Ella sentia o peso das cinzas sob o calçado, como se os ecos das almas presas naquela casa ainda sussurrassem. Ao seu lado, Adrian caminhava em silêncio, o rosto parcialmente escondido pela sombra do capuz.

Para onde vamos agora? - a voz de Ella era rouca, tanto pela fumaça quanto pelas palavras que pareciam cortá-la por dentro.

Adrian não respondeu de imediato. Seus olhos, de um azul tão escuro que quase beirava o negro, estavam fixos na estrada de pedras irregulares.

Conheço um lugar - disse ele, por fim. - Longe daqui. Longe de tudo.

Os dias seguintes foram uma sucessão de paisagens desbotadas. Aldeias esquecidas, florestas envoltas em brumas e rios que serpenteavam como fitas prateadas sob o céu nublado.

Adrian parecia conhecer cada atalho, cada caminho oculto. Para Ella, no entanto, cada novo cenário era uma oportunidade de resgatar pedaços de si mesma. Ela se pegava sorrindo para pequenas coisas-o canto de um pássaro, o calor do sol atravessando as árvores e aquilo a assustava. Afinal, a felicidade era uma promessa tão frágil quanto uma teia de aranha.

Quando finalmente chegaram ao destino, Ella precisou de alguns segundos para acreditar no que via.

Diante deles, uma cabana de madeira erguia-se à beira de um lago cristalino. As águas refletiam o céu pálido, e o som suave das ondas acariciava a margem com a mesma delicadeza de um sussurro.

Este lugar... - Ella começou, mas as palavras morreram em seus lábios.

Era da minha mãe - Adrian explicou, a voz carregando uma nostalgia que o deixava vulnerável. - Ela costumava me trazer aqui quando eu era criança. Quando o mundo lá fora ficava... pesado demais.

Ella olhou para ele, vendo pela primeira vez o garoto por trás do príncipe sombrio. Era como se as sombras que sempre o envolviam tivessem se dissipado um pouco, permitindo que uma luz suave tocasse seu rosto.

Os dias na cabana trouxeram uma rotina quase mundana, mas, para Ella, aquilo era um luxo. Cozinhar juntos, pescar à beira do lago, dividir livros antigos encontrados em baús esquecidos.

Ainda assim, as sombras nunca estavam totalmente ausentes. Às vezes, no silêncio da noite, Ella ouvia Adrian murmurando em sonhos. Palavras entrecortadas, pedidos de perdão. E em outras noites, era ela quem se perdia nos próprios pesadelos, revivendo o fogo, as paredes da mansão se fechando ao seu redor.

Mas, todas as manhãs, eles acordavam juntos. E cada amanhecer era uma escolha: continuar lutando, continuar vivendo.

Certa vez, enquanto observavam o pôr do sol refletido no lago, Adrian quebrou o silêncio:

Você acredita que a redenção é possível?

Ella demorou a responder.

Não sei. Mas acredito que, se continuarmos tentando, talvez não importe se vamos alcançá-la. O que importa é o caminho.

E ali, sob o céu pintado de laranja e púrpura, duas almas quebradas encontraram um vislumbre de paz.

                         

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