- Depois disso meu padrasto, ficou emocionalmente devastado, isso fez com que perdesse muitos trabalhos e a cada ano que passava se afundava mais em dívidas, pois a responsabilidade de criar sozinho seus dois filhos legítimos mais a enteada ainda continuava. Em um certo momento passou a beber constantemente e se viciar em apostas clandestinas no bairro, na esperança de ganhar dinheiro mais fácil e melhorar nossa condição financeira.
- Posso perguntar sobre seu pai legítimo?
- Eu não sei quem ele é, quero dizer, minha avó precisou ser internada às pressas após descobrir um tumor no cérebro, a única alternativa era fazer uma delicada cirurgia, mas por ser muito cara à saúde pública não financiava cem por cento a menos que conseguisse uma ordem judicial, o que demoraria muito e talvez nem conseguisse. Meu avô também muito carente tentou um emprestimo mais não concederam a ele, com toda urgência minha mãe vendeu sua primeira noite a um desconhecido em uma casa de mulheres, foi a forma mais rápida que ela encontrou de conseguir o dinheiro já que tinha apenas 17 anos e não trabalhava. Ela pagou a cirurgia usando o nome de um desconhecido na tentativa de manter seu anonimato. A cirurgia foi boa, mas minha avó ainda continuou internada devido a outras complicações, nesse tempo ela começou a passar mal e um mês depois veio a confirmação, estava grávida. Ela até voltou a casa na esperança de achar o cliente, mas para seu azar ele foi só mais um viajante que passou para curtir uma noite e nunca mais voltou. Mais tarde, minha avó não resistiu e veio a falecer, meu avô descobriu sobre a gravidez e o dinheiro, disse que minha mãe tinha matado minha avó por ter usado um dinheiro amaldiçoado. Sem compaixão ele a expulsou de casa apenas com uma mala em mãos e disse que a partir daquele dia ele nunca teve uma filha. Sem saber para onde ir, já que toda a família também virou as costas para ela, decidi usar o único dinheiro que tinha para pegar um ônibus rumo a qualquer lugar onde pudesse estar segura e recomeçar sua vida. Até chegar a essa cidade e ser acolhida por uma ONG. E foi assim que cheguei a esse mundo!
Eu e Alice tomamos mais um gole da bebida e aproveitamos para respirar.
Não tinha muitas palavras para aquele momento, nunca imaginaria que por trás daquele sorriso de sempre tinha uma trágica história familiar.
- Felizmente ela conseguiu ficar na ONG em troca de serviços sociais, desde o meu nascimento até eu completar dois anos, quando ela conheceu Doroteia, uma sacoleira que vendia na feira. As duas se tornaram amigas inseparáveis. Nós mudamos para a casa dela e minha mãe passou a vender e fazer seus próprios clientes. Alguns anos depois conheceu o Paulo, casou e eu cresci o chamando de pai, mesmo depois de conhecer minha verdadeira história. Minha mãe dizia que independente do erro dela, eu tinha sido seu maior acerto, que nunca pensou em me abortar. Mas então ela me deixou anos mais tarde, sem ter a oportunidade de se despedir. Meus irmãos ainda crescendo, aprendi a fazer trufas para vender na minha escola nas entradas e saídas, depois de formar decidi vender nos comércios do centro nos horários que os meus irmãos estariam na escola, assim eu podia continuar dando atenção a eles e realizar as necessidades domésticas da casa, já que Paulo continuava sempre ausente.
- Por isso sempre passa na agência à tarde?
- Sim, de manhã fico com eles e finalizo as trufas.
- Então onde entra seu namorado nesse caos todo?
- Na parte que ele começa a me desejar, aproveita a fragilidade de Paulo para que apostasse a minha liberdade em troca de um cobiçado bilhete "premiado" na sua casa de apostas.
- Então você não ama essa pessoa?
- Nem por todos os bilhetes do mundo amaria alguém que compra mulheres apenas para satisfazer seu próprio prazer.
É INEVITÁVEL minha reação.
Fecho o punho e coloco toda minha raiva ao bater ele no mármore.
Os olhos de Alice arregalam e peço desculpas por assustá-la.
- Eu só não posso acreditar que você ja passou por tudo isso sozinha, estranhamente sinto vontade de sair por aquela porta agora e socar um idiota desses que ainda se acha homem e se se da o direito de fazer coisas assim com uma jovem inocente.
- Franco é um homem assustador. Usa das fraquezas das pessoas para conseguir o que tem. Era eu como sua propriedade ou o dinheiro perdido na aposta, mas como poderíamos pagar um valor tão alto quando tudo que ainda temos de valor é a casa onde sempre foi o nosso lar.
- Então essa não é a primeira vez que ele te bate?
- Como sabe que ...
- Não precisa me dizer com suas próprias palavras, basta saber como ele é que não fica difícil identificar o agressor.
- Na verdade essa foi a mais difícil, as primeiras ainda foram leves, era um beijo ou um tapa, mas dessa vez ele queria mais, muito mais e eu não queria dar isso a ele, ser íntimo de uma pessoa é muito importante pra mim, eu não podia ceder tão facilmente.
Levanto da bancada revoltado passando as mãos pelos cabelos, andando de um lado para o outro, tentando respirar um ar que parecia não chegar aos meus pulmões.
Internamente eu gritava por dentro dizendo que eu mataria com minhas próprias mãos um cara desses.
- Seus irmãos estão bem?
- Depois desse incidente meu pai, quero dizer Paulo, pois depois disso não o chamo mais assim, decidiu entregar a casa para Franco e quitar a dívida, estamos na casa de uma amiga próxima da minha mãe, mas não podemos ficar lá por muito tempo, esse problema cabe a nós resolver.
- Ainda continuará fazendo trufas?
- Não, na verdade essa de hoje foi feita especialmente pra você, eu disse, sempre cumpro uma promessa e agora preciso encontrar um emprego fixo para que algo assim não volte a acontecer.
- Então hoje era sua despedida?
- Acho que podemos dizer que sim!
- Sei que não me conhece suficiente, mas acredite, todas minhas próximas palavras são verdadeiras, então por favor as considere.
Respiro fundo e me aproximo lentamente dela, que dessa vez me encara com confiança.
- Uma oportunidade. É isso que preciso que você me dê a partir de hoje. Posso te oferecer um emprego, um lar para sua família e o mais importante: minha fidelidade.
- Senhor Carson...
- Nunca se perguntou o porque minha secretária sempre pedia para você levar as trufas pessoalmente para mim, mesmo sabendo que eu sempre escolheria o mesmo sabor? Ou porque sempre que você passava, não tinha nenhum cliente na minha sala? Era porque eu preparava aquele momento exclusivamente para você! Suas trufas são realmente deliciosas, mas honestamente não eram elas que animavam meu dia, mas sim seu sorriso toda vez que entrava por aquela porta. Eu passo a semana inteira esperando o dia que você irá até mim e vou sentir meu coração pulsar mais rápido. Todo o controle que tive para me manter no controle foi por causa daquela droga de aliança que tinha na mão, se não a muito tempo, já teria dito a você como tenho me sentido.
- Senhor Carson... Eu...
- Por favor Alice, não estou tentando te comprar com dinheiro, não quero me apoderar da sua liberdade, mas não posso deixar você ir sem ao menos dizer que você é minha trufa de sensação, um sabor novo na qual eu me apaixonei a primeira vez que provei. Te conhecer foi simplesmente a melhor coisa que poderia acontecer nessa vida cheia de responsabilidade e regras a cumprir, apenas me dê um voto de confiança e me deixe provar que não vou te decepcionar como todos os outros homens da sua vida já fizeram.
- Digamos que eu aceite sua proposta, até que ponto pretende me submeter?
- Nunca exigirei que me de algo que não queira, nem forçá-la a se envolver intimamente comigo, se não estiver segura quanto a isso , podemos redigir um contrato colocando os limites deste acordo. Desde que aceite e confie em mim!
- Tudo bem!
- O que significa tudo bem pra você?
- Tudo bem senhor Carson, eu aceito sua proposta com apenas uma condição.
- Estou te ouvindo.
- Sem segredos, sem exigências íntimas, sem contrato. Não quero começar uma relação onde me sentiria uma peça de troca, dar e receber, quero que nós dois sejamos honestos com nossos sentimentos e desejos, quero dizer que caso isso não funcione, não espere ter o que não estarei disposta a dar. Farei isso apenas com alguém que eu realmente ame. Você pode concordar com isso?
- Claramente que sim. E já que estamos nesse ponto preciso que saiba algo antes de firmarmos este acordo.
- Acho justo!
- Minha família pode não ter problemas comparados ao seu, mas infelizmente ainda acreditam que bons casamentos são aqueles que fortalecem financeiramente a família.
- Seria esse o famoso casamento arranjado?
- Exatamente. O que quero dizer é que por mais que eu me recuse a seguir essa tradição, eles não cederam tão fácil, será inevitável não receber olhares e palavras de desaprovação, mas desde que você saiba que eu decidi estar com você independente da opinião de deles, espero que isso seja o suficiente para não te deixar desistir.
- Isso inclui disputa de beleza com pretendentes da classe alta? - Sorri.
- Isso seria demais?
- Sim, infelizmente não me vejo usando salto alto para impressionar madames!
- Que bom, pois sempre imaginei como seria encontrar uma " Cinderela " que usasse all star e não um sapatinho de cristal!
- E qual é sensação?
- Como imaginei! Perfeita!