Aos 22 anos, comprei meu primeiro avião executivo de pequeno porte e o fretava para pequenas viagens particulares principalmente para empresários.
Dois anos depois, aos 24, abro oficialmente a agência de viagens física.
Comprei o local na área nobre no centro da cidade, contratei funcionários, fiz grandes parcerias com hoteis e aeroportos, permitindo assim, oferecer preços acessíveis aos meus clientes.
Por fim, aos 28, já tinha uma renda estável, reconhecimento e um lucro que me permitiu realizar outros sonhos, como meu Iate particular, minha casa própria entre todas as outras coisas que posso manter hoje com apenas o ganho de meus esforços.
Isso só me dá mais direito de fazer minhas próprias escolhas, incluindo a principal dela :de poder escolher minha própria esposa.
Então seguir uma tradição de casamentos arranjados para mim não era uma opção.
Já meus dois irmãos mais novos, Pamela de 22 anos e Wendel de 24, dizem que a tradição é o que define a linhagem da família e mudar isso significa perder uma herança conquistada pelos nossos ancestrais.
Não os julgo, cada um acredita naquilo que deseja, então deixo para eles continuarem com o que eu não estou disposto a fazer.
Mais uma vez pego meu telefone e dessa vez ligo para Alice, mas não atende.
Tento uma segunda vez e sem sucesso.
Espero por mais algumas horas antes de retornar, mas o resultado continua o mesmo.
Decidi encerrar por hoje e ir até a casa onde ela estava.
Coloco o último endereço do gps no carro e um tempo depois estou na porta da casa de Hilda.
Bato palma no portão de grade e pela janela uma menina olha discretamente para fora.
- Por favor, Alice está em casa?
- Quem é você?
- Um amigo dela.
- Ela não tem amigos, vai embora.
A menina fecha a janela e some.
Bato palma mais umas cinco vezes até ela aparecer novamente na janela com a cara fechada.
- Pode me dizer apenas se ela está bem, não consegui falar com ela pelo telefone, prometo que não sou um cara mau.
- Foi exatamente isso que o último cara que veio aqui disse, então vai embora ou eu vou chamar a polícia.
- Ok vou embora, apenas me responda se ela está bem ou não.
- Está, agora some!
A janela novamente é fechada e não tenho outra opção a não ser entrar no meu carro e tentar uma última ligação.
Alguns segundos depois ela atende.
"- Você está segura?
" - Desculpa, meu celular estava no modo silencioso.
" - Posso te encontrar agora?
" - Não acho que seja um bom momento!
" - Prometeu me deixar te ajudar, me mande sua localização, já estou a caminho.
Encerro a ligação e fixo meus olhos na tela, a notificação chega e de acordo com o GPS fica apenas a dez minutos de onde estava.
Ligo o carro e sigo pelas ruas indicadas até chegar a um grande campo de futebol cheio de gente envolta da grade de ferro gritando ao mesmo tempo: perdedores.
Desço do carro e entro no meio do tumulto e vejo o que parecia ser um duelo de gangues.
Dois grupos de jovens e adultos, separados por uma linha no meio carregam bandanas vermelhas na cabeça e o outro grupo azul, seguram armas aparentemente de plástico apontadas para o outro, Alice estava segurando apenas uma bexiga atrás do grupo azul e parecia concentrada.
- O que estão fazendo? - Pergunto a uma das mulheres ao meu lado.
- Decidindo qual grupo vai ser responsável pela limpeza do bairro nos próximos três meses.
- Porque fariam isso?
- To vendo que o bonitão aqui caiu de paraquedas na nossa área!
Depois dessa resposta, decidi apenas observar.
Um apito é soado auto e em meio aos gritos, Alice sai correndo com a bexiga pelo campo fugindo da troca de tiros cruzados entre os dois grupos.
Em minutos o campo estava tomado pelas tintas coloridas que saiam de todos os lados acertando todos os deixando sujos.
A plateia gritava, mas eu só conseguia seguir Alice tentando entender o ponto da brincadeira.
Até que um homem de sorriso malicioso para em frente a ela e saca o que parece uma faca e mira com tudo em sua direção.
Meu coração parece sair pela boca e começo a correr desesperado rumo a entrada do campo.
Afasto todo mundo a minha frente sem qualquer delicadeza e vou direto para Alice que está encolhida no chão.
- Alice, eu to aqui não se preocupe!
Digo a ela ao me aproximar e ver se estava ferida.
- Você chegou!
Alice se vira pra mim olhando nos meus olhos... sorrindo...
- O que é essa droga toda Alice?
Digo a ela que vai se levantando, bem, apenas toda manchada de tinta como todos ali.
Olho a nossa volta e todos do grupo com bandanas vermelhas gritam festejando sua vitória.
- Tudo bem pessoal, na proxima a gente vence!
Ela diz aos outros que abaixam suas cabeças tristes por terem perdido.
- Cuidado bonitão!
Não dá nem tempo de olhar de onde vinha a voz, Alice me puxa para si e me roda se colocando a minha frente quando um jato de tinta a atingiu nas costas.
- Desculpa aí, disparou por acidente. - Grita um jovem.
- Tudo bem Deivid, um pouco de tinta a mais não vai fazer diferença!
Alice sorri brilhantemente e eu não penso muito ao naturalmente afastar de seu rosto uma mecha de cabelo loiro que havia se desprendido de seu coque.
Nossos olhares se encontram e o desejo de beijá-la vem com tudo dentro de mim, mas apenas engulo em seco e digo:
- Acho que o jato teria sido mais vantajoso.
Alice olha para baixo e vê que ao me colocar em seu corpo, transferiu parte da tinta para minha roupa, me deixando todo sujo como ela.
Não aguentamos e juntos caímos na risada.
Eu ainda não sabia o que era tudo aquilo, mas só de ter sentido ela tão próxima assim, valeu muito a pena.
Depois de mais algumas conversas Alice me diz que podemos ir.
Dentro do carro ela diz:
- Já está virando rotina eu sujar o seu carro, tem certeza de que não está bravo comigo?
- Bravo estaria se você não estivesse nele. Agora você pode me dizer o que foi tudo aquilo, ainda estou procurando resposta.
- Aquela é a nossa famosa batalha da comunidade. A cada três meses fazemos aquilo para definir qual zona, Sul ou Oeste vai cuidar da manutenção dos bairros, ou seja, fazer trabalhos voluntários. Cada zona tem um projeto chamado Lar de Amor, onde todas as idades se beneficiam de atividades interativas, é oferecido esporte, consultas, aulas de apoio, a verba vem da maior parte do governo e a outra parte de doadores e a única condição para cada lugar receber essa verba é fazer trabalhos voluntários para ajudar o restante da comunidade, então a limpeza de praças dos bairros, combate aos mosquitos nas casas e ruas, trabalho nas hortas da Sede, que depois é distribuído para as famílias cadastradas no projeto, tudo feito por nós, ou seja é uma troca de ganhos.
- Então aquele homem que te acertou...
- Ele é um dos voluntários, Sidnei, professor de música da Sede Oeste, ele parece mal, mas é apenas um disfarce, quando ele senta atrás de uma bateria, acredite o cara arrebenta. Foi na Sede que aprendi a fazer trufas, em uma das aulas especiais que às vezes é oferecida.
- Realmente é um trabalho lindo e digno de receber aplausos.
- Eu sei, é por isso que ainda participo dessas competições, pois independente de quem perde no final todos ganham.
- Seria demais perguntar porquê só você estava com aquela bexiga?
- Quando o grupo é definido fazemos um sorteio para definir o coringa que deve proteger a "coroa" do time vencedor anterior, no caso eu tirei essa honra, e no grupo rival o mesmo é feito, porém para decidir quem é o ladrão da coroa, mas ninguém sabe quem ele é até que ele ataque. As cores azul da bandana representam a comunidade Leste. Vermelho a Oeste. Quando o jogo começa os times atiram suas tintas causando caos e distraindo os inimigos para que eu chegue do outro lado da linha com a bexiga cheia, porém se o ladrão estourar o jogo acaba, digamos que é uma mistura de queimada com paintball, sendo uma forma divertida de decidir quem vai assumir as responsabilidades sociais por um tempo.
- Eu realmente achei que aquilo era uma faca.
- Só imita, na verdade é toda de plástico com apenas uma agulha na ponta, no caso de errarem o golpe o máximo que vai sentir é uma leve picada.
- Na próxima pretende participar?
- Infelizmente é para os membros da comunidade e como estamos de mudança não vou poder mais participar das batalhas, além disso agora não terei tempo livre para frequentar a Sede com os meninos, preciso focar em um trabalho melhor agora.
- Sobre isso, na próxima segunda você tem uma entrevista de emprego em uma loja de uma amiga, estou confiante que você será contratada.
- Você mencionou que não tenho experiência, certo?
- Sim, e para sua sorte, a dona adora contratar aprendizes, dizem que eles se tornam os melhores!
- Pode me dizer pelo menos o que ofereceu para me conseguir essa oportunidade, seria interessante pelo menos saber o tamanho do prejuízo que vou te dar caso eu seja mesmo contratada.
- Uma funcionária dedicada. E somente isso que ela exigiu de mim. Então tudo que precisa fazer é zelar pela minha reputação!
- Não vou te decepcionar!
- Tenho certeza que não!
Minutos depois estamos novamente em frente ao portão de Hilda, a cabeça da garota logo aparece na janela e ela nos encara dentro do carro.
- Aquela é Bianca, a caçula de dez anos, apesar da cara de brava é uma boa menina que se preocupa com todos nós, então não leve para o lado pessoal como ela te tratou antes, ela só quis me proteger.
- Ainda há pessoas vindo atrás de você?
- Acho que Franco ainda não desistiu completamente de mim, mandou um de seus capangas me dizer que devo algo a ele. Mas o que ele quer eu nunca vou ceder.
- Está com medo?
- Isso sempre vou ter, mas agora é diferente, eu tenho alguém em que posso pedir ajuda: meu príncipe encantado!
- Então você é mesmo minha " Cinderela "?
- Estou começando a acreditar que sim!
- Que bom, pois é exatamente isso que pretendo me transformar para você, o príncipe que vai mudar sua vida.