Capítulo 5 Caro demais

Nos dias que se seguiram ao evento beneficente, algo mudou no comportamento de Darian - para pior. As pequenas gentilezas que antes surgiam de forma sutil foram substituídas por uma indiferença quase cruel.

Ele não apenas voltava tarde: passou a evitar Elena ativamente. Cortava qualquer tentativa de conversa com respostas curtas. Reuniões pela casa, antes feitas com as portas abertas, agora aconteciam trancadas. Ela cruzava com ele nos corredores e recebia apenas um olhar vazio, quase irritado.

Na primeira vez que Elena tentou sentar-se com ele para o café da manhã, ele sequer ergueu os olhos do celular.

- Pode comer sem mim. Já comi no escritório - disse.

Mentira.

A bandeja em cima da mesa ainda estava cheia.

No começo, ela pensou que talvez ele estivesse apenas estressado com o trabalho. Mas a frieza persistiu, dia após dia, e se tornou mais incisiva. Darian começava a criticar pequenos detalhes de sua aparência, sua postura, seu comportamento.

- Você não sabe segurar um copo com elegância - ele disse, durante uma reunião informal com membros da diretoria.

Elena ficou vermelha. Não por ter cometido algum erro grave, mas pelo olhar frio dele diante dos outros.

Em outra ocasião, ela perguntou se poderia visitar a casa dos pais, em Norcaster, para ver a mãe por um final de semana.

- Você tem obrigações agora. Não pode sair da cidade quando bem entender - respondeu, seco.

- É minha mãe, Darian. Ela está passando por quimioterapia...

- E você tem uma reputação a manter. Ela tem médicos. Já está sendo cuidada.

Foi como levar uma facada no peito.

Ela engoliu em seco, contendo as lágrimas.

Naquela noite, trancada no quarto, Elena se permitiu chorar.

As perguntas vinham uma após a outra:

O que eu fiz? Por que ele me odeia tanto? Será que me iludi com aqueles gestos de gentileza?

Lembrou-se de quando ele a defendeu discretamente no primeiro evento. De quando ficou com ela na cozinha, mesmo em silêncio. De quando respondeu à carta do convite com um bilhete direto, mas pessoal.

Tudo mentira?

Tudo encenação?

Ela sentia como se estivesse se afogando numa piscina de dúvidas. E a única pessoa capaz de lhe lançar uma corda era justamente aquela que a empurrava para o fundo.

Na manhã seguinte, Adele apareceu em seu quarto com um recado:

- O senhor Leclerc quer que a senhora compareça à reunião de amanhã com os patrocinadores do projeto Omega. Ele pediu que a senhora leia os relatórios e memorize os nomes dos executivos.

Elena franziu a testa.

- Eu... não sou funcionária da empresa.

- Apenas estou repassando a ordem, senhora.

Elena suspirou.

O jogo dele agora parecia ser claro: pressioná-la até o limite. E ela não sabia mais se aquilo era uma punição ou um teste.

Na reunião, Darian fez questão de colocá-la à mesa principal, ao lado dele. Mas não como esposa. Como uma espécie de peça de xadrez.

- Elena, pode explicar aos senhores qual será a prioridade do fundo na primeira etapa? - ele perguntou de forma ríspida.

Ela engoliu seco. Tinha lido o relatório na noite anterior, como mandado.

- A prioridade será a reestruturação do sistema de triagem dos beneficiários - respondeu, com firmeza.

- Com base em quê? - insistiu ele, em tom impessoal.

Ela titubeou. Mas respondeu.

- Baseado na análise dos dados de impacto da última campanha, que mostraram que mais de 60% dos recursos foram para perfis que não atendiam aos critérios de urgência.

Um silêncio.

Os executivos assentiram com respeito. Um deles até elogiou:

- Muito bem colocado. Não sabia que a senhora Leclerc acompanhava com tanta atenção os relatórios.

Elena sorriu, tímida. Por um segundo, sentiu que estava conseguindo lidar com aquilo.

Mas Darian a cortou:

- Ela apenas repetiu o que qualquer um poderia ter lido no documento. Vamos continuar.

Foi como uma bofetada em público.

Elena não respondeu. Apenas abaixou os olhos.

Na volta para casa, ela quebrou o silêncio no carro.

- Por que está me tratando assim?

Darian não respondeu imediatamente.

- Assim como? - devolveu, cínico.

- Com desprezo. Como se eu fosse um fardo. Você me arrastou para esse casamento. Eu aceitei por necessidade. Mas não mereço esse tipo de tratamento.

Ele virou o rosto para a janela.

- Eu só estou sendo realista. É melhor que saiba qual é seu lugar.

- E qual é o meu lugar, Darian? - ela perguntou, com a voz embargada.

Ele apertou os dentes.

- Como disse: um casamento de conveniência. Nada além disso.

Ela virou o rosto para a janela, os olhos ardendo.

Ele não sabia... mas aquelas palavras estavam quebrando partes dela que ele jamais veria.

O que Elena não sabia - o que jamais suspeitaria - era que Darian vinha lutando contra o próprio caos interno.

Todas as vezes que ela o olhava com os olhos marejados, algo nele estremecia. Todas as vezes que ela recuava com dignidade após seus ataques, um sentimento de culpa silencioso o corroía.

Mas Darian não sabia amar. Nunca soube.

Cresceu num mundo onde afeto era fraqueza, e admiração silenciosa era o mais perto que se chegava de carinho. Fora moldado por uma educação rígida, um pai implacável, e por anos de pressão como herdeiro de um império empresarial.

Apaixonar-se por Elena significava abrir uma brecha. Mostrar que precisava dela.

E isso o aterrorizava.

Por isso a atacava.

Era mais fácil afastá-la do que admitir que ela o estava afetando.

Naquela noite, Elena recebeu uma ligação do hospital. A mãe precisaria passar por uma cirurgia inesperada no dia seguinte. Tentou ligar para Darian, que já estava na ala executiva da empresa.

Nada.

Tentou de novo. Mensagens ignoradas.

Ela então desceu, determinada, e chamou Adele.

- Preciso ir para Norcaster. Amanhã. É urgente.

A governanta hesitou.

- O senhor Leclerc precisa autorizar...

- Eu não estou pedindo permissão. Estou informando.

Quando Darian chegou em casa à meia-noite, Elena já havia feito as malas. Estava sentada no sofá, vestida com um moletom simples, o rosto abatido.

Ele parou na porta, surpreso.

- Vai a algum lugar?

- Minha mãe vai passar por uma cirurgia amanhã. Estou indo para Norcaster no primeiro voo da manhã.

- E acha certo sair assim? Sem consultar ninguém?

Ela levantou-se, encarando-o.

- E você acha certo me tratar como um móvel? Me rebaixar em público? Me usar como escudo, depois me desprezar? Eu não sou sua funcionária, Darian. E muito menos sua propriedade.

Ele não disse nada.

Ela continuou:

- Eu aceitei esse casamento por um motivo claro. Mas nem por isso deixei de ser humana. De sentir. E eu cansei de tentar entender por que você me odeia tanto.

O silêncio entre eles era cortante.

- Você vai voltar? - ele perguntou, sem emoção.

- Eu não sei - respondeu.

E subiu as escadas.

Darian ficou sozinho na sala, olhando para o copo vazio em cima da mesa.

Pela primeira vez, sentiu medo de perdê-la.

Mas não conseguia impedir a si mesmo de continuar afastando-a.

Era tudo o que aprendera a fazer.

Mesmo que custasse caro demais.

                         

COPYRIGHT(©) 2022