Nas primeiras manhãs após o casamento, ela acordava sozinha, mesmo sem esperar outra coisa. A cama era grande demais, os lençóis frios demais, e a luz que entrava pelas janelas de vidro maciço parecia não aquecer nada. Darian desaparecia antes mesmo do amanhecer, mergulhado em reuniões, acordos e viagens curtas. Ele não avisava. Apenas sumia.
Elena passava os dias explorando os corredores da mansão acompanhada por Adele, uma governanta idosa que falava pouco, mas cuidava dela com um zelo discreto. Havia alas inteiras que pareciam abandonadas - salas de estar com móveis cobertos por panos brancos, estufas vazias, corredores longos com quadros de família que a observavam com olhos pintados e frios.
No início, Elena se perguntava por que Darian não a instalara em um apartamento menor, ou até mesmo numa ala mais privada. Mas depois compreendeu: a casa era seu campo de prova. Um ambiente controlado. Ela não era apenas uma esposa - era uma variável que ele precisava analisar. Testar.
Darian a via pouco. E quando via, era formal.
No jantar do terceiro dia, por exemplo, sentaram-se frente a frente em uma mesa comprida demais para dois. O barulho dos talheres ecoava pelas paredes como se zombasse da falta de diálogo entre eles.
- Sua mãe chegou bem a Bellanora? - ele perguntou, sem levantar os olhos do prato.
- Sim. Está com os médicos que você contratou. Obrigada - respondeu Elena.
Ele assentiu, seco. Não devolveu a cortesia. Apenas mastigou lentamente, como se aquela fosse uma obrigação social que ele precisava cumprir com precisão cirúrgica.
- Você pretende trabalhar enquanto estiver aqui? - perguntou, com o tom de voz neutro de quem analisa um possível relatório.
Elena hesitou. Trabalhar? Em que? Ela havia deixado tudo para trás.
- Eu gosto de dar aulas - respondeu. - Mas sei que não seria apropriado agora. Talvez eu escreva.
Darian apenas assentiu mais uma vez, sem sequer perguntar o quê ela escreveria.
- Desde que não interfira nas aparições públicas ou nos compromissos, você é livre para ocupar seu tempo como quiser - ele disse.
E assim terminou a conversa.
Mas Elena não era de vidro. Por dentro, tudo nela gritava.
A solidão era mais cortante do que imaginara. Ela se acostumara com dificuldades - com a falta de dinheiro, com a dor de ver a mãe definhar em um leito, com o fardo de carregar um nome que não tinha mais peso. Mas nunca se acostumara com a sensação de ser invisível.
Naquela mansão, mesmo servida, vestida e tratada com todo o respeito, ela não existia de verdade. Era como uma peça elegante posicionada no lugar certo - bela, silenciosa, funcional.
Todas as noites, ela se deitava na cama vazia e imaginava o som de passos vindos pelo corredor. Esperava que Darian aparecesse. Não para tocá-la. Mas apenas para dizer: "Boa noite". Nunca acontecia.
Certa tarde, desceu até os jardins. O inverno ainda insistia, mas os galhos das árvores já começavam a dar sinais de vida. Ela se sentou perto da estufa antiga, sobre um banco de pedra, e abriu o diário que começara a escrever. Ali, colocava tudo o que não podia dizer em voz alta.
"Hoje ele me olhou por dois segundos a mais.
Talvez tenha notado que cortei o cabelo. Ou talvez estivesse apenas calculando quanto tempo ainda falta até o divórcio.
Não sei qual hipótese me dói mais."
Fechou o caderno ao ouvir passos.
Era Darian.
Ele estava vestido com um sobretudo escuro, luvas de couro e os cabelos levemente molhados, como se tivesse acabado de sair da chuva fina que começava a cair. Por um segundo, Elena quis acreditar que ele viera até ela por escolha. Que desejava vê-la.
- Eu pensei que estivesse em reunião - disse, levantando-se.
- Estava. Terminei antes do previsto. Passei por aqui porque o segurança disse que você costuma caminhar sozinha à tarde.
- Costumo - respondeu, sem saber como agir diante daquela rara aparição fora do horário das refeições.
Darian não se aproximou. Apenas permaneceu de pé, olhando ao redor.
- Este jardim costumava ser mantido pela minha mãe - disse, como se estivesse falando mais para si mesmo. - Depois que ela morreu, ficou assim... meio esquecido.
- É um espaço bonito. Com um pouco de cuidado, pode florescer de novo - disse Elena, suavemente.
- Tudo pode florescer - ele respondeu. - Desde que haja alguém disposto a cuidar. E pagar por isso.
Ela não respondeu. Doeu.
Darian olhou para ela por um segundo a mais do que deveria. Viu o leve tremor nas mãos dela. O modo como segurava o diário com delicadeza, como se protegê-lo fosse seu único ato de resistência.
Ele podia sentir que ela estava infeliz. Mas, em vez de dizer algo, desviou o olhar.
- O jantar será servido às sete - ele disse. - Não se atrase.
E foi embora.
Naquela noite, Elena não desceu.
Ficou no quarto, com um livro aberto sobre o colo e lágrimas secas nos olhos. Adele tentou convencê-la a comer, mas ela recusou. Inventou uma dor de cabeça. Não queria vê-lo. Não queria fingir que estava tudo bem.
Do outro lado da mansão, Darian notou a ausência da esposa.
- Onde está a senhora Leclerc? - perguntou ao mordomo.
- Não se sentiu bem, senhor. Está em repouso.
Darian apenas assentiu. Mas demorou mais do que o normal para terminar o vinho naquela noite. Subiu mais cedo para o escritório, onde sentou-se à frente da lareira e ficou observando o fogo que crepitava diante de seus olhos.
Ele não era cruel. Só não sabia ser gentil.
Foi treinado para comandar, calcular riscos, prever falhas. Os sentimentos eram erros estatísticos no mundo que ele conhecia.
Mas Elena... havia algo nela que fugia dos padrões. Ela era graciosamente firme. Não o bajulava, não tentava conquistá-lo, não reclamava. Apenas seguia em frente, com uma dignidade silenciosa que começava a incomodá-lo.
Ele a admirava. Mas não sabia como demonstrar.
E talvez... não queria demonstrar. Ainda.
Nos dias que seguiram, Elena passou a se dedicar ao jardim abandonado.
Sem pedir permissão, pediu a Adele algumas ferramentas antigas, leu livros sobre botânica e começou a limpar os canteiros. Não fazia isso para chamar atenção - fazia para não enlouquecer. Para ocupar as mãos enquanto o coração doía.
Às vezes, Darian a observava da janela do escritório, sem ser visto. Ela usava roupas simples, os cabelos presos em um coque torto, e as mãos sujas de terra. Havia algo de incrivelmente... verdadeiro nela. Algo que contrastava violentamente com tudo que ele conhecia do mundo.
Durante uma reunião com seus diretores, alguém comentou:
- Senhor Leclerc, a imprensa internacional está satisfeita com a escolha da senhora Ravintti. A imagem do casal é impecável. Discreta, refinada. Ela tem uma postura quase real.
Darian apenas assentiu. Mas, por dentro, algo se mexeu.
Na sexta noite após o casamento, ele apareceu de surpresa no jardim, ao entardecer.
- Você deveria usar luvas - disse, observando as mãos dela com pequenos arranhões.
- Não gosto. Gosto de sentir a terra - respondeu, sem parar de trabalhar.
Darian ficou em silêncio. O som dos pássaros voltando aos galhos era o único fundo musical daquela cena.
- Não precisa fazer isso - ele disse, enfim. - Ninguém espera que a senhora Leclerc se comporte como uma jardineira.
Ela parou, se levantou, limpou as mãos no avental e o encarou.
- Eu não faço isso para ninguém. Faço porque gosto. Porque me lembra que ainda sou dona de mim mesma.
Ele não respondeu. Mas naquele instante, soube que ela era muito mais do que imaginara.
Elena voltou para o quarto naquela noite com um sentimento estranho no peito. Pela primeira vez, Darian a ouvira sem interromper. Sem frieza. Talvez... só talvez, ainda houvesse algo além do contrato.
Mas era cedo demais para esperança.
E ela já aprendera a não confiar em sombras de calor.