"Papai, a gente não vai mais ver a mamãe?" Sofia perguntou na manhã seguinte, os olhinhos ainda inchados de chorar na noite anterior. O divórcio tinha um prazo de reflexão, um mês, antes de ser finalizado.
"Vamos sim, filha," João Pedro mentiu, abraçando-a. "Mas depois desse tempo, vamos para bem longe, para um lugar onde o papai vai poder te dar tudo que você merece." Ele precisava aguentar mais um pouco.
Nos dias que se seguiram, João Pedro via Isabella nas colunas sociais online, em fotos de jantares caros e viagens luxuosas com Ricardo e Tiago. Cada imagem era uma facada. Ele, comendo pão com margarina, ela, bebendo champanhe.
Lembrou-se das vezes que deixou de comer para que Isabella e Sofia tivessem um pouco mais. Das roupas que usava até rasgarem para poder comprar um remédio para a filha. A ironia era cruel.
Uma semana antes do prazo final do divórcio, Isabella apareceu de surpresa no barraco. "Vim buscar a Sofia para um passeio," disse, um sorriso forçado nos lábios. João Pedro estranhou. Ela nunca fazia isso.
Nesse momento, o Seu Nonato, dono do barraco, chegou. "João, vim falar sobre a rescisão do contrato. Já arrumou outro lugar?"
João Pedro tentou disfarçar. "Ainda estou vendo, Seu Nonato."
Assim que Isabella saiu com Sofia, prometendo voltar em duas horas, João Pedro desabafou com Seu Nonato. "Vou me divorciar, Seu Nonato. Vou levar Sofia para Minas, para perto dos meus pais. Não aguento mais essa cidade, essa mulher."
Seu Nonato, um senhor bondoso, apertou seu ombro. "Você é um bom homem, João. Vai dar tudo certo."
As duas horas se transformaram em três, quatro. João Pedro começou a entrar em pânico. Ligava para Isabella, mas o celular só dava caixa postal. Correu para a delegacia mais próxima, mas disseram que precisava esperar 24 horas para registrar o desaparecimento. Desesperado, lembrou-se de um cartão de motorista particular que Isabella usava às vezes. Ligou, e o motorista, com pena, informou: "Deixei Dona Isabella e a menina no Hospital Particular Estrela Dourada."
Correu para o hospital. Na recepção, ninguém dava informação. Desesperado, começou a andar pelos corredores, até que ouviu a voz de Isabella vindo de uma sala. A porta estava entreaberta.
"Doutor, o procedimento é seguro para a Sofia? A compatibilidade é realmente alta? Tiago precisa dessa medula, a vida dele depende disso."
A voz do médico respondeu: "Absolutamente, Dona Isabella. Ricardo já cuidou de todos os 'detalhes' para atestar a compatibilidade. Sofia é jovem, se recupera rápido. Tiago é a prioridade."
João Pedro sentiu o sangue gelar. Isabella estava usando a própria filha.