Sofia Almeida, arquiteta de renome, trinta e poucos anos, olhou para a primeira edição rara de Fernando Pessoa que tinha nas mãos, um presente para Tiago Antunes, o seu namorado há três anos, fadista em ascensão.
Era o aniversário deles.
Ela sorriu, imaginando a cara dele ao receber o livro.
Conduziu até à quinta no Douro que ele dissera ser o local da festa surpresa que lhe preparava.
Mas a surpresa foi dela.
Tiago estava lá, sim, mas com Beatriz Ferraz, a sua ex-namorada, uma aspirante a influencer.
Estavam abraçados, a rir, perto de uma mesa com garrafas de vinho verde.
O livro caiu das mãos de Sofia.
Miguel, irmão mais novo de Sofia e melhor amigo de Tiago, também estava presente e viu a cena.
Miguel avançou, lívido. "Tiago, que raio estás a fazer?"
Tiago encolheu os ombros, displicente. "A Beatriz sentiu-se mal com o vinho, só a estava a ajudar."
Depois, baixou a voz, mas Sofia ouviu na mesma, cada palavra um golpe.
"Além disso, a Sofia parece-se tanto com ela, não achas? Foi por isso que comecei a sair com a tua irmã."
O mundo de Sofia desabou.
O seu amor por Tiago nascera da gratidão.
Há anos, o carro dela avariara numa estrada nacional isolada, quase fora atropelada por um camião.
Um homem de casaco de cabedal de motociclista salvara-a.
Tiago usava um casaco igual. Ela pensara que fora ele.
Durante três anos, amara um herói que não existia, um homem que só a via como uma substituta.
A dor era física, cortava-lhe a respiração.
Lembrou-se de como o procurara, de como se aproximara dele, movida por aquela imagem do salvamento.
Sentia-se uma idiota.
Tudo fora uma mentira, um engano.
Ela investira tanto, acreditara tanto.
Em casa, as lágrimas finalmente vieram, quentes e amargas.
Miguel sentou-se ao lado dela, a mão no seu ombro.
"Sofia," disse ele, a voz hesitante. "Não foi o Tiago que te salvou naquele dia."
Ela olhou para ele, confusa.
"Foi o João. O João Vasconcelos. Ele também usava um casaco de cabedal parecido, estava de passagem na mota dele."
João. Amigo de Miguel, estudante de medicina.
Sofia lembrava-se vagamente dele, um rapaz simpático, mas discreto.
Agora estava na Alemanha, a fazer um intercâmbio.
O engano era ainda maior, a humilhação mais profunda.
O seu amor, a sua gratidão, tudo fora dirigido à pessoa errada.
Uma raiva fria começou a crescer dentro dela.
Enganada, usada.
Decidiu ali mesmo. Iria para a Alemanha.
A desculpa seria expandir os negócios da sua firma de arquitetura.
O objetivo real era encontrar João.