O cheiro a desinfetante hospitalar ainda me sufocava, mas a dor no peito era bem pior.
Tinha acabado de perder o nosso bebé, um sonho esmagado.
Ao acordar, a minha sogra, Dona Isabel, olhou-me com frieza: "És nova, podes tentar outra vez."
O Miguel? Não estava lá.
Correra para socorrer a irmã, Clara, cujo carro avariou.
Que ultraje! Eu vivia o inferno, ele lidava com um pneu furado.
Em casa, as palavras vazias de Miguel eram ecoadas pela presença constante de Clara.
Ela ligava, ele sussurrava ao telefone.
A cada dia, ambas me humilhavam, questionando a minha dor, a minha vida.
"Já pensaste voltar a trabalhar? Ficar em casa assim não te faz bem."
Eu fervia, a mágoa e a raiva crescendo.
Como podia ele ser tão indiferente à minha dor?
Uma noite, ele saiu às pressas, esquecendo o telemóvel.
Uma intuição gélida levou-me a abri-lo.
As mensagens chocaram-me. Eram do Miguel. Para a Clara.
"A Sofia está insuportável. Não sei quanto tempo mais aguento."
"Maninho, paciência. Lembra-te do nosso plano", respondia ela.
Plano? Que plano?
Havia mais: a Clara tinha um namorado secreto. O Miguel era cúmplice.
Fotos deles a rir, íntimas. Pareciam um casal.
Uma traição emocional. Senti-me suja, ingénua.
Mas o golpe final veio numa pequena caixa de veludo azul.
Dentro: um anel de noivado.
E um bilhete com a caligrafia de Miguel: "Para a minha C. Espero que digas sim. M."
C de Clara. Iria ele pedir a própria irmã em casamento?
O mundo desabou.