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– A Chegada
O vento do interior soprava mais seco do que Elisabeth lembrava. Não que tivesse alguma memória real daquele lugar. O pouco que sabia da Fazenda Silver Oak vinha das histórias desconexas que a mãe contava - sempre com um misto de nostalgia e amargura. Para Helen, o rancho simbolizava tudo o que ela havia superado: limites estreitos, rotina rural, ausência de liberdade. Mas para Liz, agora, aquele lugar era a única porta que restava.
A caminhonete da avó subia lentamente a estrada de terra, sacolejando ao passar pelas pedras. A paisagem era ampla, aberta, e o céu se estendia como uma promessa ainda não cumprida. Campos dourados avançavam até onde a vista alcançava, e o casarão da fazenda surgia ao longe como uma relíquia solitária, erguida entre o tempo e o silêncio.
Margaret Whitmore dirigia com a firmeza de quem nunca deixou que a idade lhe roubasse o comando. Calada desde a saída da estação, só falara para oferecer um lenço quando percebeu que os olhos da neta insistiam em se encher de lágrimas.
- "Você está mais pálida do que sua mãe era quando chegou a Boston."
Foi tudo o que disse.
Liz permaneceu quieta. Não era falta de palavras. Era excesso de dor.
Tudo nela doía - o corpo, a alma, as lembranças recentes. Cada ruído da cidade, cada cheiro, cada rua... eram lembranças do que perdera. Agora, até as cores pareciam mais opacas. Como se o mundo tivesse perdido o brilho no mesmo instante em que o avião deixara de responder.
Ao se aproximarem do pátio principal, o casarão mostrou-se em toda sua imponência. Madeira escura, colunas coloniais, varandas espaçosas e um telhado antigo, porém firme. Era um lugar que, apesar da idade, exalava força. Como Margaret. Como a linhagem Whitmore.
Liz desceu da caminhonete com passos hesitantes, observando tudo ao redor. O silêncio ali não era igual ao da cidade. Era mais profundo. Um tipo de silêncio que parecia conversar com os pensamentos.
Carregava apenas uma mala, um casaco dobrado no braço e uma pequena caixa de madeira - o que restara da vida anterior. Ao colocar os pés na varanda da casa, sentiu uma vertigem breve. Mas antes que pudesse reagir, algo - ou alguém - chamou sua atenção.
Do lado oposto do pátio, sob a sombra de uma antiga figueira, um homem estava abaixado, com as mãos mergulhadas até os cotovelos no motor de um carro antigo. O capô estava aberto, e a carroceria enferrujada denunciava que aquele modelo não via asfalto há muitos anos. O homem usava um macacão cinza, manchado de graxa e terra. Os cabelos estavam presos em desalinho na nuca, e a camiseta branca por baixo deixava entrever um físico firme, trabalhado - como alguém que trocava reuniões por ferramentas.
Liz não pôde evitar o olhar prolongado. Não por vaidade, mas por curiosidade. Ele parecia tão deslocado quanto ela se sentia. Um detalhe, no entanto, a surpreendeu: ele sorriu. Um sorriso limpo, inesperado, como se a presença dela ali não fosse apenas percebida - mas, de algum modo, bem-vinda.
- "Você deve ser a Liz," disse ele, levantando-se e limpando as mãos com um pano. A voz era grave, clara, com um sotaque leve demais para um trabalhador rural típico.
Ela assentiu, confusa.
- "Sou. E você... trabalha aqui?"
Ele hesitou, mas apenas por um segundo. Depois, deu de ombros, com um meio sorriso.
- "Algo assim."
Antes que pudesse perguntar mais, a senhora Evelyn surgiu na porta principal, abrindo os braços.
- "Senhorita Elisabeth, finalmente. Bem-vinda."
A governanta tinha um semblante firme, mas acolhedor. Não havia nela espaço para demonstrações excessivas de emoção, mas o tom da voz denunciava cuidado.
Margaret aproximou-se sem cerimônia.
- "Evelyn, ela está exausta. Mostre o quarto e a ajude com o que for necessário. Não preciso dizer que essa casa agora também é dela."
Liz assentiu, agradecida em silêncio.
Enquanto Evelyn recolhia sua mala, Liz lançou um último olhar ao homem de macacão. Ele já havia voltado ao motor, como se a presença dela fosse apenas mais uma entre as muitas que passavam por ali. Mas algo em seus olhos - azuis, intensos, estranhamente serenos - permaneceu com ela mesmo depois que entrou na casa.
O quarto de hóspedes ficava no andar superior, com vista para o celeiro e os campos. A cama era grande, os lençóis impecáveis, e a janela deixava entrar uma brisa quente, perfumada de lavanda e feno.
- "Se precisar de algo, estou no final do corredor," disse Evelyn.
- "Obrigada."
Liz sentou-se na beira da cama e só então percebeu como estava cansada. Mas antes que pudesse deitar, caminhou até a janela e olhou mais uma vez para fora.
O homem ainda estava lá, trabalhando no carro como se o tempo não existisse.
Ela não sabia seu nome.
Não sabia que ele era o verdadeiro herdeiro de tudo aquilo - do rancho, da casa, da fortuna que sustentava metade do Texas.
Para ela, era apenas um homem coberto de graxa...
Que a havia olhado como se ela ainda fosse inteira.
E por ora, isso bastava.