Capítulo 5 A SEMENTE DA DÚVIDA

Nos dias que se seguiram, Liz estabeleceu uma rotina quase involuntária. Acordava com o sol, ajudava Evelyn na arrumação das áreas internas, passava parte das tardes entre o celeiro e o jardim, e à noite, recolhia-se cedo. Havia algo de reconfortante na repetição, como se a previsibilidade a anestesiasse contra as incertezas que habitavam sua mente desde o acidente.

Erik estava presente, mas nunca invasivo. Às vezes ela o via montado em um cavalo negro, cruzando os campos com expressão concentrada. Outras vezes, trabalhava no galpão de ferramentas, sozinho, em silêncio. Sempre com aquele ar de homem que preferia os ruídos da terra aos sussurros sociais.

Eles se encontravam casualmente - ou quase isso. Uma troca de palavras aqui, um comentário breve acolá. Não havia intimidade, mas havia uma sintonia discreta, como se ambos tivessem aprendido a se mover com a mesma medida de dor e reserva.

Foi numa dessas tardes, enquanto Liz ajudava Evelyn a organizar os talheres de prata na cristaleira da sala de jantar, que algo começou a mudar.

- "A senhorita está se adaptando bem," comentou Evelyn, com um leve sorriso.

- "Mais do que imaginei," respondeu Liz, empilhando os pratos com delicadeza.

- "Sabe, não pensei que ele viria tão cedo este ano."

- "Ele?"

- "O senhor Erik. Normalmente ele só aparece no fim do outono."

Liz virou-se com suavidade, tentando manter a neutralidade da voz.

- "Ele... vem todos os anos?"

- "Desde que o avô faleceu. Às vezes fica uma semana, outras, um mês. Depende do peso que a cidade coloca nos ombros dele."

Liz hesitou, inclinando levemente a cabeça.

- "Pensei que ele... que ele fosse apenas alguém da casa. Um funcionário antigo."

Evelyn soltou uma risada breve, quase carinhosa.

- "Senhorita, o senhor Erik é o dono de tudo o que vê aqui. Desde a cerca do campo até a bandeja de cristal na estante."

Liz sentiu um leve arrepio na espinha. Sabia, claro, que ele era um Langford. Já havia sido informada. Mas ouvir aquilo da governanta - em tom de reverência, quase como uma confirmação institucional - fez com que a imagem que ela construíra em sua mente se rearranjasse.

E, com isso, algo começou a doer.

Mais tarde, Liz caminhava pelos corredores antigos da casa. Havia algo no rangido dos pisos de madeira que parecia ecoar os próprios pensamentos. Ela se deteve diante da biblioteca, ainda fechada. A mão tocou a maçaneta com cuidado, mas não entrou. Era como se parte dela ainda precisasse de tempo para aceitar que aquele lugar, aquela vida, eram agora seu cenário.

Ao voltar para o quarto, passou pelo corredor que dava acesso ao escritório de Margaret. A porta estava entreaberta. Sem querer, ouviu vozes.

- "Ele precisa fazer esse casamento acontecer, Evelyn. Já demorou demais," dizia a avó, em tom mais ríspido do que o habitual.

- "A senhorita Charlotte virá no mês que vem?"

- "É o que dizem. Mas ele ainda não assinou nada. E Richard está impaciente."

Liz parou, o coração desacelerando por um momento.

Charlotte.

Casamento.

Pressão.

Não soube por quê, mas aquelas palavras pareceram deslizar como farpas sob a pele.

No jantar daquela noite, Erik estava ausente.

- "Ele foi à cidade resolver assuntos," informou Margaret, como quem não se surpreende.

Liz assentiu em silêncio. O vazio à cabeceira da mesa pesava mais do que deveria.

Na varanda, após a refeição, Liz sentou-se com uma xícara de chá nas mãos. O céu estava salpicado de estrelas, e o ar fresco da noite envolvia a pele como um lençol invisível. Os grilos cantavam ao longe, e a escuridão parecia ter sua própria voz.

Charlotte.

O nome ressoava em sua mente como um toque de sino distante. Era injusto sentir incômodo? Sim. Ela mal conhecia Erik. Mas não era desejo o que a incomodava - era o engano. A sensação de que ele havia permitido uma aproximação sob a sombra de uma omissão.

Ele deixara que ela acreditasse que era um simples trabalhador da fazenda. E talvez tivesse razões para isso. Talvez quisesse apenas escapar daquilo tudo. Do título. Do peso. Da obrigação. Ela entendia - em parte. Mas ainda assim... doía.

Doía perceber que, por mais sinceros que fossem os olhares, havia algo entre eles que não fora dito.

Naquela noite, pela primeira vez, Liz sonhou com o passado.

Não o acidente. Mas o antes. O sorriso do pai enquanto lia em voz alta, a mãe rindo enquanto embalava um vinho sobre o balcão. A paz dos dias ordinários que agora pareciam tão distantes. A sensação de pertencimento. De confiança.

E ao acordar, sentiu o peito pesar com a certeza de que ainda não confiava em ninguém naquele lugar.

Nem mesmo em si mesma.

                         

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