Acordei num quarto de hospital. O cheiro a antisséptico substituiu o cheiro a fumo.
Uma máscara de oxigénio cobria o meu rosto. A minha garganta doía. A minha cabeça latejava.
Uma enfermeira entrou no quarto.
"Que bom que acordou. A senhora inalou muita fumaça. Tivemos sorte em tirá-la de lá a tempo."
"O meu bebé..." A minha voz era um sussurro rouco. "Ele está bem?"
A enfermeira evitou o meu olhar.
"O médico virá falar consigo em breve. Descanse um pouco."
O pânico voltou, gelado e avassalador. Onde estava o Miguel?
Ele entrou uma hora depois. O seu uniforme de bombeiro estava impecável. Não tinha um pingo de fuligem.
Ele aproximou-se da cama, o rosto uma máscara de preocupação fingida.
"Ana, meu amor. Que susto me pregaste."
Tirei a máscara de oxigénio.
"Eu vi-te na televisão," disse eu, a voz fraca mas firme. "A salvar a Sofia."
Ele franziu a testa, a sua expressão tornou-se defensiva.
"A Sofia entrou em pânico por causa de um pouco de fumo da torradeira. Ela tem asma, tu sabes disso. Eu era o bombeiro mais próximo. Era meu dever."
"E eu? E o teu filho? Não era teu dever também?"
"Eu disse que tinha chamado reforços para ti! Não sejas dramática. Estás bem, não estás?"
Naquele momento, o médico entrou. Ele olhou para o Miguel e depois para mim, com uma expressão grave.
"Senhora e Senhor Bastos, tenho más notícias."
O meu coração parou.
"Devido ao stress e à grave inalação de fumaça, o seu corpo sofreu um choque extremo. O ritmo cardíaco do feto..." Ele fez uma pausa. "Lamento imenso. Perdemos o bebé."
O mundo desabou. O som no quarto desapareceu, substituído por um zumbido nos meus ouvidos.
Olhei para o Miguel. Ele estava pálido, mas a sua primeira reação não foi de dor. Foi de raiva.
Ele virou-se para mim.
"Vês o que fizeste? Se tivesses mantido a calma como eu te disse, talvez isto não tivesse acontecido."