As palavras dele atingiram-me mais do que o fumo.
Eu não conseguia chorar. Eu não conseguia gritar. Senti um vazio tão grande que parecia que o meu corpo ia implodir.
O meu sogro, o senhor Artur, chegou pouco depois. Ele era um homem imponente, com um ar de autoridade que sempre me intimidou.
Ele ignorou-me completamente e foi direto ao Miguel.
"Filho, estás bem? Soube do que aconteceu. A Sofia está traumatizada, coitadinha."
Depois, virou os seus olhos frios para mim, deitada na cama do hospital.
"E tu. Sempre a criar problemas. Não podias simplesmente ter esperado em silêncio? O Miguel é um herói público, tem responsabilidades. A tua falta de controlo causou esta tragédia."
Eu olhei para ele, a dormência a dar lugar a uma raiva fria.
"Eu estava presa num prédio em chamas. O vosso 'herói' mentiu-me para ir acudir a Sofia por causa de uma torradeira queimada."
O senhor Artur riu-se, um som seco e sem humor.
"A Sofia é família. É frágil. Precisa de proteção. Tu deverias ser mais forte. És a mulher dele, afinal. O teu trabalho é apoiá-lo, não sobrecarregá-lo com os teus dramas."
Miguel ficou ao lado do pai, concordando com a cabeça.
"O pai tem razão, Ana. Estás a ser egoísta. Perdemos um filho, e só consegues pensar em ti mesma."
Foi aí que a decisão se formou na minha mente, clara e afiada como um caco de vidro.
Eu olhei para os dois homens que deveriam ser a minha família. O meu marido e o meu sogro.
"Quero o divórcio," disse eu. A minha voz não tremeu.
O rosto do Miguel contorceu-se de fúria.
"Divórcio? Agora? Depois de tudo isto? Estás a culpar-me por um acidente? És inacreditável."
O senhor Artur aproximou-se da cama, a sua presença era uma ameaça.
"Não vais manchar o nome da nossa família com um escândalo. Pensa bem no que estás a fazer."
Eu virei o rosto para a janela. Para mim, eles já não existiam.