A porta do quarto abriu-se horas depois. Era o Miguel. E a Clara estava com ele, apoiada no seu braço como se fosse uma boneca de porcelana.
Ela tinha o tornozelo enfaixado e uns arranhões no braço. O cabelo dela estava um pouco chamuscado nas pontas. Parecia uma atriz a desempenhar o papel de sobrevivente.
O Miguel correu para o meu lado, o seu rosto uma máscara de preocupação fingida.
"Sofia, meu amor. Graças a Deus que estás bem. Fiquei tão preocupado."
Ele tentou pegar na minha mão, mas eu afastei-a.
O meu olhar estava fixo na Clara, que me observava com olhos grandes e lacrimejantes.
"Sofia, sinto muito," disse ela, com a voz a tremer. "Eu entrei em pânico. Se eu soubesse que estavas em tanto perigo..."
"Cala-te," eu disse. A minha voz saiu fria e sem vida.
O Miguel franziu a testa. "Sofia, não fales assim com ela. A Clara também passou por um trauma."
"Um trauma?" repeti, sem emoção. "Ela torceu o tornozelo. Eu perdi o nosso filho."
O silêncio no quarto era pesado. O Miguel olhou para a minha barriga lisa e depois para o meu rosto. A compreensão atingiu-o lentamente.
"O quê? Não... não pode ser."
"Foi," eu disse, olhando diretamente para ele. "Enquanto estavas a salvar a tua amiga de um tornozelo torcido, o nosso filho morria dentro de mim."
Ele abriu a boca para falar, mas não saíram palavras. A culpa estava estampada no seu rosto, mas eu não senti nada. Nenhuma satisfação. Apenas um vazio imenso.
"Saiam," eu disse, a minha voz a ganhar força. "Os dois. Saiam."
"Sofia, por favor, vamos conversar," ele implorou.
"Não há nada para conversar," olhei para ele, e pela primeira vez em anos, vi-o como ele realmente era, fraco e egoísta. "Quero o divórcio, Miguel."