Hoje era o dia de pagar o sinal do terreno.
O nosso sonho. A casa que eu desenhei, tijolo por tijolo, na minha cabeça e no papel.
Abri a aplicação do banco no telemóvel, com o coração a bater depressa de entusiasmo.
A conta conjunta. Onde guardámos cada cêntimo nos últimos três anos.
O saldo era 17,45€.
Atualizei a página. Uma vez. Duas vezes. Três vezes.
17,45€.
O número não mudava. O ecrã do telemóvel parecia gozar comigo.
Liguei ao meu marido, Pedro.
O telefone chamou uma, duas, três vezes. A voz dele soou distante, abafada por música alta e risos.
"Sofia? Passa-se alguma coisa? Estou no meio da festa de aniversário da Clara."
A voz dele era despreocupada, feliz.
"Pedro, o dinheiro. O dinheiro da casa desapareceu."
Houve uma pausa. A música ficou mais baixa.
"Ah, isso. Esqueci-me de te dizer."
Esqueceu-se.
"O que é que te esqueceste de dizer, Pedro?"
A minha voz saiu fria, sem emoção. Eu já sabia, de alguma forma. Senti um vazio a crescer no meu peito.
"A Clara precisava de um empréstimo. Para o novo negócio dela. Eu transferi o dinheiro para ela na semana passada."
Na semana passada.
Ele sabia há uma semana que o nosso sonho tinha sido destruído, e esqueceu-se de me dizer.
"Todo o dinheiro, Pedro?"
"Sim, era urgente. Mas não te preocupes, ela vai devolver. Ela prometeu."
A voz da irmã dele, Clara, gritou ao fundo, a rir.
"Pedrinho, vem cortar o bolo! Deixa o telefone!"
Ele respondeu-lhe, não a mim.
"Já vou, mana!"
Depois, voltou a falar comigo, com um tom de impaciência.
"Olha, Sofia, não vamos estragar a festa da minha irmã por causa disto. Falamos quando eu chegar a casa. É só dinheiro."
Ele desligou.
Eu fiquei a olhar para o telemóvel, para o saldo de 17,45€.
Não era só dinheiro.
Era o nosso futuro. O meu trabalho. A minha confiança nele.
E ele tinha dado tudo à irmã.