Pedro chegou a casa depois da meia-noite, a cheirar a álcool e a bolo de aniversário.
Ele entrou de mansinho, pensando que eu estava a dormir.
Eu estava sentada na escuridão da sala de estar, à espera.
Acendi a luz. Ele sobressaltou-se.
"Sofia, que susto. Porque é que estás aqui no escuro?"
"Estava à tua espera. Precisamos de falar sobre o dinheiro."
Ele suspirou, um suspiro longo e cansado, como se eu fosse um fardo.
"Não podemos falar disto amanhã? Estou cansado. A festa foi longa."
"Não. Falamos agora."
Sentei-me direita no sofá. Ele ficou de pé, a evitar o meu olhar.
"Quanto é que lhe deste, Pedro?"
"Eu já te disse, foi um empréstimo. Ela vai pagar de volta com juros."
"Quanto?" insisti eu, com a voz firme.
Ele mexeu-se, desconfortável. "Cem mil euros."
O valor exato que tínhamos. Até ao último cêntimo.
"E que negócio é esse que precisa de cem mil euros de um dia para o outro?"
"É uma boutique online. Coisas de luxo. Ela tem um bom olho para a moda, tu sabes."
Eu sabia que a Clara não tinha um bom olho para nada que não fosse gastar o dinheiro dos outros.
"Ela não tem experiência, não tem um plano de negócios. Deste-lhe as poupanças da nossa vida para ela brincar às lojas?"
A minha voz começou a tremer.
"Não fales assim da minha irmã!" ele elevou a voz. "Ela está a tentar fazer algo da vida dela! Devias apoiá-la, és família!"
"Eu sou a tua mulher! Aquele dinheiro era nosso! Para a nossa casa!"
"E o que é que importa mais, uma casa ou a minha irmã?" ele gritou.
A pergunta ficou a pairar no ar, pesada e horrível.
Ele não esperou pela resposta.
Ele já a tinha dado.
"Ela é a minha família, Sofia. O sangue fala mais alto. O dinheiro nós ganhamos outra vez. Uma família não se substitui."
Ele virou-me as costas e foi para o quarto, deixando-me sozinha na sala com a verdade fria da sua escolha.