A incredulidade no rosto do Tiago transformou-se em fúria.
"Acabou? Divorcias-te de mim por causa disto? Depois de tudo o que passámos? Estás a ser egoísta, Sofia! Eu também perdi um filho!"
"Tu não perdeste nada", disse eu, a voz gelada. "Porque para perderes alguma coisa, primeiro precisavas de te importar com ela."
Ele abriu a boca para responder, mas nesse exato momento, o telemóvel dele tocou. Ele olhou para o ecrã. Era o meu padrasto, Rui. O pai dele.
Tiago atendeu, afastando-se um pouco, como se isso lhe desse alguma privacidade.
"Pai... Sim, estou no hospital... Sim, a Sofia está aqui."
Ele fez uma pausa, a ouvir. O seu rosto contraiu-se.
"O quê? Não, não é culpa minha! Foi um acidente terrível! Ela está a ser irracional, está a falar em divórcio!"
Mesmo à distância, eu conseguia ouvir a voz zangada do Rui a sair do auscultador.
Enquanto o Tiago tentava defender-se junto do pai, o telemóvel da minha mãe também começou a tocar. Ela olhou para o ecrã. Era o Rui.
A minha mãe atendeu, com uma expressão sombria.
"Rui."
A voz dele era tão alta que eu conseguia ouvir cada palavra.
"Helena! Que raio de filha é que tu educaste? O meu filho está a passar por um inferno, a tentar ajudar toda a gente, e ela ameaça-o com o divórcio? Ela não tem um pingo de compaixão? Onde está a tua responsabilidade como mãe?"
A minha mãe ouviu em silêncio, o seu rosto a ficar cada vez mais pálido de raiva.
"A minha filha quase morreu afogada, Rui", disse ela, a voz a tremer de fúria contida. "O teu neto morreu. E a primeira coisa que fazes é ligar para a culpar? Onde estava o teu filho perfeito quando ela precisava dele?"
"Ele estava a ser um bom amigo! A Clara estava sozinha! A Sofia podia ter ligado para os bombeiros! Não ensinaste a tua filha a ser independente?"
A minha mãe desligou o telefone na cara dele. O silêncio que se seguiu foi pesado.
Tiago também terminou a sua chamada, o rosto vermelho de raiva.
"Vês o que fizeste? Agora o meu pai está furioso! Estás a virar toda a gente contra mim!"
"Eu não fiz nada, Tiago", disse eu, cansada. "Tu fizeste as tuas escolhas. Agora vive com elas. Sai do meu quarto."
"Isto também é o meu..."
"Sai."
A minha voz era baixa, mas não deixava margem para discussão.
Ele olhou para mim, depois para a minha mãe, que o fuzilava com o olhar. Resmungando, ele virou-se e saiu, batendo a porta atrás de si.
Fiquei sozinha com a minha mãe. O silêncio era um alívio.
"Ele não vale a pena, minha querida", disse a minha mãe, a sua voz suave novamente. "Nunca valeu."
Eu sabia que ela tinha razão.