O cheiro a desinfetante no hospital era sufocante, quase tão pesado quanto a notícia que acabara de receber.
"Senhora Alves, o seu filho, infelizmente, não sobreviveu ao acidente."
A voz do médico era calma, profissional, mas cada palavra atingiu-me com a força de uma onda.
Olhei para as minhas mãos, ainda sujas de terra e sangue seco. Há poucas horas, eu estava a segurar a mãozinha do Leo, a prometer-lhe um gelado depois do jogo de futebol.
Agora, essa mãozinha estava fria nalgum lugar deste hospital.
O meu telemóvel vibrou incessantemente na minha mala. Era o meu marido, o Pedro.
Não atendi. Não conseguia.
A porta da sala de espera abriu-se e a minha sogra, a Dona Elvira, entrou a correr, com a cara vermelha de choro. Mas as lágrimas dela não eram para o meu filho.
"Meu Deus, graças a Deus que estás bem, Sofia! O Pedro estava louco de preocupação!"
Ela agarrou-me os braços, ignorando completamente o vazio nos meus olhos.
Sofia. A minha cunhada. A irmã do Pedro.
Ela estava no mesmo carro que eu e o Leo.
"A Sofia?" A minha voz saiu rouca, um som estranho. "Onde está a Sofia?"
"Está em cirurgia, coitadinha," lamentou a Elvira. "Partiu a perna em dois sítios. O Pedro está lá fora da sala de cirurgia, a rezar. Ele nem quis vir aqui, disse que não conseguia olhar para ti."
O meu coração, que eu pensava já estar partido, encontrou uma nova forma de se estilhaçar.
Ele não conseguia olhar para mim.
Mas conseguia ficar a rezar pela irmã que estava ao volante.
A irmã que decidiu atender uma chamada enquanto conduzia, mesmo com os meus avisos. A irmã que desviou o carro para a valeta.
"Elvira," eu disse, com uma calma que me assustou. "O Leo morreu."
A cara dela congelou. Por um segundo, vi um vislumbre de dor, mas foi rapidamente substituído por outra coisa. Defesa.
"Foi um acidente, Inês. Um terrível acidente. A Sofia está destroçada, sabes? Ela amava o sobrinho dela."
Amava? O amor dela matou-o.
Finalmente, atendi a chamada do Pedro. Antes que eu pudesse dizer uma palavra, a voz dele explodiu no meu ouvido, cheia de pânico e raiva.
"Inês! Onde é que te meteste? A tua sogra disse que estavas bem, mas porque é que não atendias? A Sofia está em cirurgia! Ela está a sofrer tanto!"
O mundo à minha volta tornou-se silencioso. Só ouvia a voz dele, a preocupação dele. Pela irmã.
"Pedro," comecei, a minha voz a tremer. "O nosso filho..."
"Eu sei! Eu sei que o Leo também estava no carro!" ele interrompeu, impaciente. "Mas a Sofia precisa de mim agora! Ela está sozinha, está assustada! Tu és a mãe, és forte, tens de aguentar! Pelo amor de Deus, não me cries mais problemas agora!"
Ele desligou.
Fiquei a olhar para o telemóvel, para o ecrã preto.
Ele nem perguntou.
Ele nem perguntou se o nosso filho estava vivo ou morto.