Capítulo 5 5- Grata por não ser pior

Dom Rossini observa a moça tímida e mal vestida para sua posição, ele já tinha escutado rumores de que Pietá Grecco era uma moça estranha, mas muita coisa estranha acontecia no clã dos Calábreses e Rossini tem absoluta certeza que o dedo de Luigi mexeu os cordões para colocar a moça em negociação. Ele só não descobriu ainda o que o subchefe ganha com isso ou em que isso pode ou não afetar sua organização.

De sua parte ele desejava manter o vínculo com os Grecco, mas jamais imaginou dar a menina a seu filho mais velho, a ideia partiu de Luigi e o Dom não é nenhuma criança e não manteve sua posição sem ter inteligência para tal, ele sabe bem que um casamento com o próximo Dom é muito mais valioso que um casamento com o filho mais jovem.

Embora vendo os sorrisos tímidos da menina para Salvatore o faça pensar se não está cometendo uma erro, uma coisa é fato: Em quase quatro anos seu filho jamais viu ninguém ou saiu a não ser para as missões, o rosto desfigurado sempre escondido de todos. Suas esperanças de casar Lucca eram nulas, nenhum de seus capos desejava dar a filha em casamento para o homem que tinha prazer em torturar e matar os inimigos da forma mais cruel possível e menos ainda em entregar suas filhas a um homem desfigurado e recluso. Ele mesmo olhando a moça trêmula que caminha ao lado de seus filhos, se pergunta se não está cometendo uma atrocidade em entregá-la à seu filho.

Suas desconfianças aumentando ainda mais, em relação ao motivo pelo qual os Grecco praticamente lhe ofertaram a moça em uma bandeja, que pai desejaria um destino tão cruel para sua única filha? Ele olha sua Juliana e pensa que em breve terá de casar a menina, seu coração chega doer em imaginar sua garotinha ser propriedade de outro homem, por isso aos quase 20 anos a moça ainda continua solteira, embora exista interesse de várias famílias em tê-la.

Observando melhor a menina dos Grecco ele avalia que a ragazza é bela, embora se pareça mais com uma plebeia do que com a filha de um Dom da máfia.

Ele faz um sinal discreto para sua esposa que logo se achega à ele.

-Amanhã você e Juliana levarão a menina as compras, não economize em nada! Não há possibilidade de Lucca sequer olhar para a moça vestida assim como um espantalho!

Ele fala e Emília assente, os dois observam a moça que chegou quase à beira das lágrimas, agora sorrindo de forma tímida com seus filhos.

- Salvatore parece não se importar com isso, veja como ele a olha! Não sei se tomamos a decisão correta marido!

- Não preocupe sua cabeça com isso, ela é adequada para Lucca, viveu reclusa e segundo meus informantes foi negligenciada pelos pais que só pensavam em gerar um herdeiro. Não comparecia aos eventos e nem era apresentada a outros homens, será mais fácil de aceitar nosso filho assim! Além do que Salvatore aprecia qualquer uma que use saias..

- Eu ainda acho que deveríamos tê-la dado à Salvatore... a matriarca dos Spadaro fala olhando como o filho parece encantado pela ragazza.

Até ela mesmo se sentiu protetora em relação a menina, a pobrezinha lhes foi entregue como uma sem teto, nem o pai ou a mãe à acompanharam e a mala ... meu deus, parecia uma indigente. Emília Spadaro apesar de ser uma mulher da máfia que teve seu casamento arranjado com Rossini, teve a sorte de ser feliz e se apaixonar pelo marido que sempre lhe dedicou sua devoção. Mas sua veia rebelde se manifesta em saber que os Grecco foram capazes de entregar a menina com tudo que aconteceu entre as famílias, tudo na garota frágil lhe faz sentir desejo de protegê-la.

- Pietá minha querida, acho que pelo adiantado da hora você deve estar com fome! Emília pergunta sabendo que a moça veio com uma minúscula escolta, certamente não pararam para que ela se alimentasse.

Os olhos negros de longos cílios se agitam sem saber exatamente o que responder e a matriarca dos Spadaro se adianta pegando em seu braço e a levando para as cozinhas. Seus filhos a seguem parecendo ter gostado da garota, enquanto o Dom se despede pedindo licença as mulheres para se recolher.

Pietá parece mais aliviada sem a presença do homem mais velho, chegando a sorrir de forma mais aberta para Juliana que lhe conta um milhão de coisas ao mesmo tempo.

- Devagar querida, a pobre menina deve estar com dor de cabeça com seu falatório!

- Mamãe... desde que terminei a escola eu fico muito só, eu e Pietá somos quase da mesma idade! Juliana protesta e a garota baixa os olhos temerosa de já ter causado algum incidente logo em sua chegada, mas aparentemente a senhora Spadaro está sorrindo e lhe parece uma novidade essa intimidade entre mãe e filha, além do belo Salvatore que parece observá-la como se fosse um animal raro no zoológico! Também com esse vestido surrado e depois de tantas horas de viagem, ela deve mesmo estar parecendo que saiu de uma guerra perdida.

Constrangida ela tenta arrumar a massa de cabelos ondulados e negros, mas pouco dá pra ser feito, mesmo assim ela tenta ajeitar os cabelos em um coque improvisado e observa enquanto a própria senhora Spadaro lhe prepara um sanduíche e um grande copo de leite.

Pietá está quase acabando de se alimentar quando uma sensação estranha lhe assalta, quase como se estivesse sendo observada! Não pelos presentes que verdade seja dita, são mais agradáveis do que ela imaginou que seriam, todos se esforçando para fazê-la se sentir em casa... afinal de contas ela era agora quase como uma pária, sua casa era agora ali, sua vida pertencia aos Spadaro, melhor dizendo ao enigmático e temido herdeiro que até agora não apareceu para ver sua nova posse.

A sensação não à abandona, ela olha para o longo corredor escuro que parte da sala em direção ao corpo da imensa casa, mas nada vê! Porém a sensação persiste por muito tempo, como se de cada sombra houvessem olhos lhe notando os trejeitos e até a forma que respirava, atordoada ela tenta racionalizar que isso se deve ao cansaço somado a ansiedade e o medo das últimas horas.

Ela tenta relaxar enquanto ri de um gracejo de Salvatore que discute com Juliana quem a levará até o orquidário de Emília.

Pela primeira vez desde que recebeu a notícia de ter sido dada em casamento ao temido Diavolo, Pietá se sente ligeiramente feliz, mesmo o homem tendo a fama de ser um assassino sádico, chamado de um dos monstros Spadaro, ela tem a esperança de que ele seja ao menos uma fração de simpatia como os irmãos. Embora a fama de Salvatore não seja também das melhores, Pietá nem consegue acreditar que o tao temido filho mais jovem conhecido por suas habilidades nas guerras por território, seja o rapaz simpático que está em sua frente, seu ar angelical beirando até a infantilidade.

Mas ela bem sabe pelas conversas sussurradas que ouvia em casa, que Salvatore foi um dos homens que mais matou soldados da N'drangheta quando aconteceu o incidente com seu irmão, perdendo em números somente para o irmão que por meses saiu em incursões suicidas, descobrindo e dizimando os desertores que acompanharam seu tio Giane. Mas vendo o rapaz 10 anos mais velho que ela, nada indica ser ele o temido Salvatore, popularmente chamado de arcanjo por ironia em uma referência a seu irmão, Pietá nao desejava casar com ninguém, mas chegou a implorar ao pai que a desse para o Arcanjo, na tentativa vã de escapar de seu irmão, Salvatore ao menos era visto ao contrario de Lucca Spadaro, as conversas sobre sua aparência eram que sua falta de beleza era condizente com sua maldade. Há até uma história proibida dentro de sua casa, de como il Diavolo torturou e matou a amante de seu tio, quando a mesma esperava um bastardo concebido fora do casamento. Pietá estremece em lembrar que foi dada ao homem que odeia tanto sua família, a ponto de arrancar do ventre uma criança não nascida com uma faca. Foi para esse homem que seu pai à deu, mas nada disso importa se Romeo não for alvo da fúria dos Spadaro, sua vida não vale nada se comprada a vida de seu doce irmãozinho e por ele Pietá andaria sobre brasas, deixaria il Diavolo fazer o que bem entendesse dela!

                         

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