Naquele momento, eu soube. O nosso casamento tinha acabado.
Tentei ligar para a Isabel, mas o telemóvel dela estava desligado. Caminhei até ao quarto e parei à porta. A voz dela estava abafada, mas eu conseguia ouvi-la.
"Oh, Miguel, graças a Deus estás bem. Eu estava tão preocupada. Quando soube do colapso, o meu coração parou."
A voz do meu sogro, o Sr. Almeida, soou a seguir, cheia de alívio. "Fizeste bem, Isabel. A família vem sempre em primeiro lugar. O teu irmão precisava de ti."
Eu entrei no quarto. Os olhos da Isabel encontraram os meus. Não havia tristeza neles, apenas irritação.
"O que estás a fazer aqui, Afonso? Não vês que estamos a passar por um momento difícil?"
"O nosso filho está morto, Isabel," disse eu, a minha voz soou estranha aos meus próprios ouvidos.
"Eu sei," ela respondeu, virando-se de novo para o irmão. "Foi um acidente terrível. Mas agora, o Miguel precisa de mim. Ele está ferido."
Um acidente terrível. Era assim que ela descrevia a morte do nosso único filho.
"Vamos divorciar-nos," eu disse, as palavras a saírem antes que eu pudesse pará-las.
O silêncio encheu o quarto por um momento, depois a raiva da Isabel explodiu.
"Divórcio? Estás a brincar comigo? O meu irmão quase morreu, e tu estás a falar em divórcio? Não tens coração? O Leo não ia querer isto!"
O Leo não ia querer isto? O Leo estava morto porque ela não estava lá.
"Onde estavas tu, Isabel?" perguntei, a minha voz calma. "Ele ligou-te. Ele estava com febre alta. Eu estava preso no trabalho, pedi-te para ires para casa."
"O Miguel ligou-me primeiro!" ela gritou. "Ele estava preso na mina! Eu tive de o ir ajudar! O que querias que eu fizesse? Deixasse o meu próprio irmão para morrer?"
"Ele não estava a morrer. Ele tinha um tornozelo torcido. O nosso filho, Isabel. O nosso filho precisava de ti."
"Pára de ser tão dramático, Afonso! Já me sinto suficientemente mal. Não preciso que me culpes também!"
Com isso, ela virou-me as costas. O seu pai pôs uma mão no meu ombro, mas não era um gesto de conforto. Era um aviso.
"A minha filha fez o que tinha de fazer," disse ele, a sua voz baixa e ameaçadora. "É melhor lembrares-te do teu lugar."
Eu saí do quarto. O meu telemóvel vibrou no meu bolso. Olhei para o ecrã. Uma foto do Leo, a sorrir para mim. O ecrã ficou desfocado.
A Isabel tinha razão sobre uma coisa. Se o Leo ainda estivesse vivo, eu nunca pensaria em divórcio. Eu faria qualquer coisa para manter a nossa família unida para ele.
Mas agora, ele tinha-se ido. A única coisa que nos mantinha juntos tinha desaparecido.
E a escolha dela não foi um acidente. A mina onde o Miguel trabalhava ficava na direção oposta da nossa casa. Ela conduziu para longe do nosso filho doente.
Ela pensou nele quando ignorou as minhas 15 chamadas? Quando o nosso filho de seis anos lhe ligou, a chorar, a dizer que se sentia mal?
Provavelmente não. Ela não se importava. Se se importasse, não teria escolhido o irmão em vez do seu próprio filho.
O nosso filho. O menino que esperámos durante cinco anos.
Lembro-me da febre, do pânico na minha voz quando finalmente consegui sair do trabalho. Lembro-me de o encontrar inconsciente. A corrida para o hospital. A espera. A notícia.
Enquanto eu estava perdido nos meus pensamentos, o telemóvel do meu sogro tocou. Era a minha sogra. Ele atendeu.
"Sim, querida... Sim, o Miguel está bem. A Isabel está com ele... O Afonso? Ele está a ser um idiota. A falar em divórcio, consegues acreditar? Logo agora! Ele não tem respeito nenhum. Mas não te preocupes, eu vou tratar disto."
Ele desligou e olhou para mim, os seus olhos frios como gelo.
"Vais arrepender-te disto, rapaz."