Quando abri os olhos, o teto branco do hospital foi a primeira coisa que vi.
O meu braço doía. Olhei para baixo e vi uma agulha de perfusão intravenosa espetada nele.
O meu marido, Leo, estava sentado ao meu lado, a sua cabeça baixa, a olhar para o seu telemóvel.
A sua expressão era sombria.
Tentei falar, mas a minha garganta estava seca e rouca.
"Leo..."
Ele levantou a cabeça, o seu olhar frio.
"Acordaste?"
A sua voz não continha qualquer calor.
Lembrei-me do que aconteceu antes de eu desmaiar.
Eu estava a fazer o jantar quando o meu cunhado, Tiago, o irmão mais novo do Leo, entrou a correr na cozinha.
Ele estava a brincar com um isqueiro, e eu disse-lhe para ter cuidado.
Ele não gostou. Atirou o isqueiro para o fogão a gás.
O fogo explodiu.
A última coisa que vi foi o rosto aterrorizado do Tiago antes de as chamas me envolverem.
"Onde está o Tiago? Ele está bem?" perguntei.
O rosto do Leo tornou-se ainda mais frio.
"Estás a perguntar pelo Tiago? Devias estar a perguntar por ti mesma. Os teus braços e costas têm queimaduras de segundo grau."
O seu tom era acusador, como se a culpa fosse minha.
"Ele provocou o incêndio," eu disse calmamente.
Leo zombou.
"Ele tem apenas dezassete anos. Ele estava apenas a brincar. Foste tu que não estavas atenta."
Senti um arrepio no meu coração.
Brincar? Ele quase me matou.
"Leo, ele tem dezassete anos, não sete. Ele sabe o que é o perigo."
"Basta, Ana," ele interrompeu-me, a sua voz cheia de impaciência. "O Tiago já está suficientemente assustado. A mãe está em casa a confortá-lo. Não causes mais problemas."
A minha sogra, a mãe dele. Claro. O seu precioso filho mais novo nunca poderia fazer nada de errado.
As lágrimas encheram os meus olhos, mas forcei-as a recuar.
"Leo, vamos divorciar-nos."
A palavra saiu da minha boca antes que eu pudesse detê-la. Mas assim que a disse, soube que era a coisa certa a fazer.
Ele olhou para mim, chocado.
"Divórcio? Estás a falar a sério? Por causa disto?"
"Isto? Eu quase morri, Leo."
"Não sejas dramática. Os médicos disseram que vais ficar bem. O Tiago não teve a intenção. Ele é meu irmão. Somos uma família."
Família. Uma palavra que ele usava para me controlar e me fazer aceitar o comportamento irresponsável do seu irmão.
"Eu não faço parte desta família," eu disse, a minha voz a tremer ligeiramente. "Nunca fiz."
Leo levantou-se, o seu rosto vermelho de raiva.
"Estás a ser ridícula, Ana! Estás a exagerar! Precisas de descansar. Vou buscar um médico."
Ele saiu da sala apressadamente, sem me dar outra olhada.
Olhei para o meu braço enfaixado. A dor era real. O fogo era real.
O desrespeito do meu marido pela minha vida também era real.
O nosso casamento de três anos tinha sido uma longa série de desculpas para o Tiago.
Ele reprovou na escola, o Leo pagou.
Ele bateu com o carro, o Leo encobriu.
Ele roubou dinheiro da minha carteira, e o Leo disse-me para ser mais compreensiva.
Eu tinha aguentado tudo porque amava o Leo.
Mas o amor não podia ser uma rua de sentido único.
O amor não devia doer assim.
Quando o Leo voltou com uma enfermeira, eu fechei os olhos, a fingir que estava a dormir.
Não queria falar com ele. Não queria olhar para ele.
Eu só queria sair dali.
Longe dele. Longe da sua família. Para sempre.