Um dia, enquanto limpava o escritório do Pedro, encontrei algo. Um pequeno diário de capa de couro, escondido no fundo de uma gaveta.
O meu coração batia forte enquanto o abria. Era a caligrafia dele.
As páginas estavam cheias de pensamentos sobre a Beatriz. Sobre como ele sentia a falta dela, sobre como nunca a tinha esquecido. Havia entradas que datavam de anos, mesmo depois de nos casarmos.
E depois encontrei a entrada do dia em que o Lucas morreu.
"A Bia ligou. Ela precisa de mim. A Sofia está na autoestrada com o Lucas, mas eles vão ficar bem. A Bia está sozinha. Eu tenho de ir ter com ela. O meu coração pertence-lhe. Sempre pertenceu."
O ar foi-me roubado dos pulmões.
Ele escolheu. Conscientemente. Ele sabia o que estava a fazer.
Fotografei cada página com o meu telemóvel. A prova de que eu precisava. A arma final.
Naquela noite, durante o jantar, a tensão era insuportável.
A Beatriz estava a contar ao Pedro sobre o seu dia, queixando-se de dores de cabeça e cansaço.
"Talvez devesses descansar mais," disse o Pedro, a sua voz cheia de ternura.
Eu não conseguia mais aguentar.
"Sabes, Beatriz," comecei, a minha voz calma, "Eu estava a pensar. Tu pareces muito doente, mas nunca te vi tomar qualquer medicação."
Ela parou de falar e olhou para mim.
"Eu... eu tomo-os em privado."
"Claro. E os teus médicos? Nunca mencionas os nomes deles. Gostaria de falar com eles, para entender melhor a tua condição."
O pânico brilhou nos seus olhos por uma fração de segundo.
"Não é necessário. O Pedro está a cuidar bem de mim."
"Sim, ele está," concordei. "Tal como cuidou de ti há cinco anos."
O Pedro largou o garfo.
"Sofia, já chega."
"Não, ainda não chegou. Eu encontrei o teu diário, Pedro."
O rosto dele ficou branco.
"Tu não tinhas o direito."
"Eu tinha todo o direito. É a minha vida que tu destruíste."
Virei-me para a Beatriz.
"Ele escreveu sobre ti. Sobre como te amava. Sobre como te escolheu a ti em vez do seu próprio filho doente."
A Beatriz olhou para o Pedro, à procura de ajuda.
"Ela está a mentir," disse o Pedro, mas a sua voz vacilou.
"Estou? Eu tenho as fotos. Queres que as mostre?"
Levantei o meu telemóvel.
"Não," sussurrou o Pedro.
"Eu pensei que não."
Levantei-me da mesa.
"Eu quero que vocês os dois saiam da minha casa. Agora."
"Esta casa também é minha!" gritou o Pedro, levantando-se também.
"Metade dela é. E a minha metade não vos quer aqui. Se não saírem por vontade própria, eu chamo a polícia. E mostro-lhes o diário. Tenho a certeza de que um juiz de família acharia muito interessante."
A Beatriz começou a chorar de novo. Desta vez, parecia real.
"Pedro..."
Ele olhou para ela, e depois para mim. O ódio nos seus olhos era tão puro que me fez recuar um passo.
"Isto não acaba aqui, Sofia."
"Eu sei. Mas esta parte, sim."
Ele agarrou no braço da Beatriz.
"Vamos."
Ele arrastou-a para fora da sala de jantar. Ouvi-os a arrumar as coisas à pressa, o som de malas a serem fechadas.
Vinte minutos depois, a porta da frente bateu.
O silêncio desceu sobre a casa. Um silêncio profundo, absoluto.
Fui até à janela e vi o carro do Pedro a afastar-se.
Eles tinham ido embora.
Eu estava sozinha. Finalmente.
Caminhei lentamente até ao quarto do Lucas. A porta estava aberta. O quarto estava vazio, frio.
Mas já não parecia um túmulo.
Parecia um começo.