O meu pai olhou para mim, a confusão no seu rosto pálido.
Ele tirou o telemóvel do ouvido e passou-mo, a sua mão tremia ligeiramente.
"O que se passa, Sofia?"
Eu peguei no telemóvel.
A voz do meu tio continuava a gritar do outro lado.
"Ela é uma ingrata! O Pedro é um herói! Ele salvou a minha filha!"
"Tio," eu disse, com a voz fria como gelo. "O Pedro é meu marido. O meu pai, o teu irmão, acabou de sair de uma cirurgia de coração aberto. Onde é que ele estava?"
Houve uma pausa.
"Ele... ele estava a cumprir o seu dever!" gaguejou o meu tio. "A Clara estava em perigo!"
"E o meu pai não estava?"
"Isso é diferente! Havia uma equipa inteira de médicos com o Afonso!"
"Exato," respondi. "E o Pedro escolheu não fazer parte dela. Ele escolheu estar com a sua prima em vez de estar com o seu sogro. O divórcio não é uma ameaça, é uma promessa."
Desliguei-lhe o telefone na cara, tal como o Pedro me tinha feito.
O meu pai olhava para mim, os seus olhos cheios de uma dor que não era apenas física.
"Ele não veio," sussurrou ele. "Eu perguntei por ele antes da anestesia... as enfermeiras disseram que não o viram."
Senti uma onda de fúria a subir, mas forcei-a a descer.
O meu pai não precisava da minha raiva agora.
Ele precisava de paz.
"Não importa, pai. Eu estou aqui. Nós não precisamos dele."
Ele fechou os olhos, e uma única lágrima escorreu pela sua têmpora.
Eu limpei-a com o polegar.
O meu telemóvel vibrou.
Era uma mensagem do Pedro.
"Tu vais arrepender-te disto, Sofia. A tua família vai virar-te as costas."
Eu apaguei a mensagem sem responder.
A minha família?
A minha família era o homem deitado naquela cama de hospital.
O resto... o resto eram apenas parentes.
Pouco tempo depois, a porta do quarto abriu-se.
Era a minha tia, a mulher do meu tio, com a Clara a apoiá-la.
A Clara tinha um pequeno curativo na testa e mancava de forma exagerada.
"Afonso, meu querido!" disse a minha tia, com a voz a pingar falsa simpatia. "Viemos assim que soubemos! Como te sentes?"
O meu pai abriu os olhos e forçou um sorriso fraco.
A Clara aproximou-se da cama, os seus olhos a brilhar com lágrimas de crocodilo.
"Tio, desculpe. Foi tudo culpa minha. O Pedro só estava a tentar ajudar-me."
"Não é culpa tua, querida," disse o meu pai, a sua voz rouca.
Eu fiquei de pé, bloqueando o caminho dela.
"Acho que já chega de teatro por hoje, Clara. O meu pai precisa de descansar."
A minha tia olhou para mim, ofendida.
"Sofia! Que modos são esses? A tua prima quase morreu!"
"Quase," repeti eu, olhando diretamente para a Clara. "Mas não morreu. O meu pai, por outro lado, esteve mais perto disso do que qualquer um de nós. E o marido que eu tenho, o teu salvador, não se dignou a aparecer."
A Clara recuou um passo, o seu rosto a contorcer-se.
"Eu não sabia! Pensei que ele te tinha avisado!"
"Oh, ele avisou-me," eu disse. "Avisou-me que a sua prioridade era tu."
"Sofia, para com isso!" gritou a minha tia. "Estás a ser cruel! O Pedro ama-te!"
Eu ri.
Um som seco e sem alegria.
"Se isto é amor, então prefiro o ódio. Agora, por favor, saiam."