A minha tia e a Clara saíram do quarto, batendo a porta atrás de si.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
"Sofia," disse o meu pai, a sua voz fraca. "Talvez tenhas sido demasiado dura."
Eu sentei-me na cadeira ao lado da sua cama e peguei na sua mão.
Estava fria.
"Pai, durante cinco anos, eu engoli tudo. As 'viagens de trabalho' dele que coincidiam sempre com as férias da Clara. As chamadas a meio da noite. O dinheiro que desaparecia da nossa conta conjunta."
O meu pai olhou para mim, chocado.
"Tu sabias?"
"Eu suspeitava. Mas eu queria acreditar no melhor. Eu queria que o nosso casamento funcionasse. Por ti. Para que tivesses alguém para te ajudar a cuidar de mim."
Ele apertou a minha mão.
"Tu nunca precisaste que ninguém cuidasse de ti. Tu és a pessoa mais forte que eu conheço."
As suas palavras eram o bálsamo que a minha alma ferida precisava.
"Hoje," continuei eu, "ele fez uma escolha. E ele não me escolheu a mim, nem a ti. Ele provou que tudo o que a Clara precisa vem antes de nós. Eu não posso mais viver assim."
"Então, o que vais fazer?" perguntou ele.
"Vou divorciar-me. Vou encontrar um advogado amanhã. E vamos seguir em frente. Só nós os dois."
Ele assentiu lentamente.
"Se é isso que te faz feliz, eu apoio-te."
Naquela noite, eu não dormi.
Fiquei a ver o monitor cardíaco, o som rítmico a encher o silêncio.
Cada bip era uma confirmação de que o meu pai ainda estava comigo.
E isso era tudo o que importava.
De manhã, o meu telemóvel estava cheio de mensagens.
Do meu tio, da minha tia, de outros parentes.
Todos a chamarem-me de egoísta, de ingrata, de destrutora de lares.
Uma mensagem do Pedro se destacava.
"Eu vou lutar por este casamento. Tu não me vais deixar."
Eu ri e apaguei tudo.
Liguei para um número que tinha guardado há meses.
Uma advogada de divórcios recomendada por uma colega de trabalho.
"Doutora Matos? O meu nome é Sofia. Eu preciso dos seus serviços."