Dois dias depois, o Pedro apareceu à minha porta.
Eu já tinha empacotado todas as suas coisas em caixas de cartão. Estavam empilhadas na sala.
Ele olhou para as caixas, depois para mim. Tinha olheiras, parecia cansado.
"Clara, por favor. Vamos conversar."
"Não há nada para conversar, Pedro. As tuas coisas estão aí. Podes levá-las."
Abri a porta, indicando-lhe o caminho para sair.
Ele não se mexeu. Em vez disso, aproximou-se.
"Eu amo-te. Sabes disso."
"As tuas ações dizem o contrário. Tu amas a ideia de seres o herói dela. Amas o drama dela."
"Isso não é verdade! Ela estava sozinha! A família dela não quer saber! Eu era a única pessoa a quem ela podia recorrer!"
Ele estava a levantar a voz, a sua frustração a transbordar.
"E por isso abandonaste o nosso casamento? A nossa família? Os nossos amigos? A mim?"
Cada pergunta era uma martelada no caixão do nosso relacionamento.
"Foi uma decisão de segundos! Eu entrei em pânico! Pensei que podia resolver a situação e voltar a tempo!"
"Mas não voltaste, pois não? Ficaste com ela. Aposto que seguraste a mão dela. Disseste-lhe que tudo ia ficar bem."
O rosto dele contraiu-se. Eu tinha acertado em cheio.
"Clara, pára com isso."
"Não. Eu não vou parar. Quero que saibas exatamente o que fizeste. Destruíste tudo. Por ela."
Ele passou as mãos pelo cabelo, desesperado.
"O que queres que eu faça? Eu não posso mudar o que aconteceu!"
"Não, não podes. Mas eu posso mudar o que vai acontecer a seguir. E o que vai acontecer a seguir é que tu vais sair da minha casa e da minha vida."
Apontei novamente para a porta. Desta vez, a minha voz não tremeu.
"Leva as tuas coisas, Pedro. Acabou."
Ele olhou para mim, os seus olhos a suplicar. Por um segundo, quase vacilei. A memória do homem por quem me apaixonei brilhou por um instante.
Mas depois lembrei-me da igreja vazia, do vestido atirado no chão, da humilhação.
Endireitei as costas. A hesitação desapareceu.
Ele viu a decisão final no meu rosto. A sua expressão mudou de súplica para raiva.
"Ficas a saber que te vais arrepender disto, Clara. Vais perceber que ninguém te vai amar como eu te amo."
"Esse é um risco que estou disposta a correr."
Ele agarrou numa caixa, desajeitadamente, e saiu, batendo a porta com força.
Eu não chorei. Apenas senti um vazio imenso, onde antes havia amor e esperança.