A Fúria Que Eles Criaram
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Capítulo 3

A casa dos meus pais era modesta, mas acolhedora. A minha mãe abriu a porta, o seu rosto marcado pela preocupação.

"Ana, o que aconteceu?"

Ela viu a mala na minha mão e os seus olhos encheram-se de compreensão. Não precisei de dizer nada. Ela abraçou-me com força.

"Vem, entra. O teu pai está na sala."

O meu pai estava sentado na sua poltrona favorita, uma manta sobre as pernas. Ele parecia mais velho, mais frágil depois da cirurgia. Quando me viu, tentou sorrir.

"Filha, vieste visitar este velho."

"Vim para ficar, pai."

Disse-o de forma calma. O meu pai olhou para a minha mãe, depois para mim. Ele percebeu.

"Aquele rapaz... o que é que ele fez?"

A sua voz era fraca, mas havia raiva nela.

"Não importa, pai. Acabou."

Sentei-me no sofá. A minha mãe trouxe-me um copo de água. As suas mãos tremiam ligeiramente.

"O João Andrade ligou," disse ela, em voz baixa. "Gritou comigo. Disse que tu eras ingrata."

Fechei os olhos. Claro que ele ligou. Ele tinha de espalhar a sua versão da história.

"Ele pode dizer o que quiser. Eu sei a verdade. Vocês sabem a verdade."

O meu pai suspirou. "Sempre soube que eles não eram boa gente. Aquele ar de superioridade... como se o dinheiro deles lhes desse o direito de tratar os outros mal."

Ficámos em silêncio por um momento. O único som era o tique-taque do relógio de parede.

"Vou tratar do divórcio amanhã," disse eu. "Vou contratar um advogado."

"Faz o que tens a fazer, filha," disse a minha mãe, pondo a mão no meu ombro. "Nós estamos aqui para ti."

Naquela noite, deitei-me na minha antiga cama de solteira. O quarto era o mesmo, mas eu era diferente. Sentia-me vazia, oca. A dor da perda do meu filho e a dor do fim do meu casamento misturavam-se numa única e grande ferida.

Mas por baixo da dor, havia uma pequena chama de alívio. Eu estava livre. Livre da família Andrade, livre do Miguel, livre daquela vida de mentiras.

            
            

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