A água gelada subia pelas minhas pernas.
Eu estava presa na cave da nossa própria casa, a porta de madeira inchou com a humidade e não abria.
A tempestade lá fora rugia como um monstro.
A minha barriga de oito meses estava dura como uma pedra, o pânico a fazer o meu coração bater descontroladamente.
Peguei no telemóvel com os dedos a tremer. O ecrã mostrava vinte chamadas não atendidas para o Tiago, o meu marido.
Liguei outra vez.
Desta vez, ele atendeu. O barulho de vento e chuva do lado dele era quase tão alto como o meu.
"Eva? O que foi agora? Estou ocupado."
A voz dele era irritada, impaciente.
"Tiago, ajuda-me! Estou presa na cave, a água está a subir muito depressa!"
Gritei, a minha voz a falhar com o medo.
Houve uma pausa. Pude ouvir outra voz ao fundo, uma voz de mulher, a da Lia. A irmã dele.
"Tiago, querido, o meu pneu furou, estou aqui parada no meio do nada e o meu cão está a tremer de medo. Por favor, despacha-te."
A voz dela era chorosa, fraca.
O meu coração gelou. A estrada onde ela estava ficava a uma hora de distância, na direção oposta da nossa casa.
"Eva, ouve," a voz do Tiago voltou, dura e fria. "A Lia está com problemas. O pneu dela rebentou e ela está sozinha. Tu estás em casa, estás segura. Liga para os bombeiros se for assim tão mau. Tenho de ir."
"Não! Tiago, por favor!"
Eu implorei, as lágrimas a misturarem-se com a água suja que já me chegava à cintura. "O bebé... eu não me sinto bem!"
"Para de ser tão dramática, Eva. A Lia precisa mesmo de mim. Resolve isso."
Ele desligou.
O som do "tu-tu-tu" foi a coisa mais cruel que alguma vez ouvi.
Olhei para o meu telemóvel. Sem sinal. A tempestade tinha cortado tudo.
Eu estava sozinha.
Uma dor aguda atravessou a minha barriga, tão forte que me fez dobrar. Gritei, mas ninguém ouviu. A água continuava a subir, fria e implacável.
Eu e o meu filho estávamos a afundar-nos, e o pai dele tinha escolhido salvar a irmã por causa de um pneu furado.