Quando acordei, a primeira coisa que vi foi o teto branco e estéril de um hospital.
O cheiro a antissético encheu-me as narinas.
A minha mãe, Marta, estava sentada numa cadeira ao meu lado, os olhos vermelhos e inchados.
"Mãe?" A minha voz saiu rouca.
Ela agarrou na minha mão, a sua estava fria. "Eva, minha querida. Graças a Deus que estás bem."
Tentei sentar-me. Uma dor profunda na minha barriga fez-me gemer.
Olhei para baixo.
A minha barriga, antes redonda e cheia de vida, estava agora vazia. Murcha.
"O bebé?" perguntei, embora já soubesse a resposta. O vazio dentro de mim gritava a verdade.
A minha mãe começou a chorar baixinho, sem conseguir dizer as palavras.
Naquele momento, a porta do quarto abriu-se.
Tiago entrou, seguido pelo pai dele, o Artur, que também era o meu padrasto.
O Tiago parecia cansado, a roupa molhada colada ao corpo. Mas não havia culpa nos olhos dele. Apenas exaustão e irritação.
"Finalmente acordaste," disse ele, a voz desprovida de qualquer calor. "Deixaste-nos a todos preocupados."
O Artur pôs uma mão no ombro do filho. "Foi uma noite terrível para todos. Uma tempestade destas... coisas más acontecem."
Eles falavam como se eu tivesse perdido uma mala, não um filho.
"Coisas más acontecem?" repeti, a minha voz a tremer de uma raiva fria. "Tu deixaste-me para morrer, Tiago."
Ele franziu o sobrolho. "Não sejas injusta, Eva. A Lia estava em perigo real. Tu estavas em casa. Como é que eu podia adivinhar que a cave ia inundar assim?"
"Eu disse-te! Eu gritei! Eu implorei!"
"Estavas em pânico," disse o Artur, com um tom condescendente. "As mulheres grávidas ficam emotivas. O Tiago fez o que achou correto, salvou a irmã dele."
Olhei para a minha mãe, à espera que ela me defendesse. Mas ela apenas olhava para as suas mãos, em silêncio. Casada com o Artur, ela estava presa no meio.
O Tiago aproximou-se da cama. "Ouve, eu sei que é difícil. Lamento pelo bebé. Mas podemos tentar outra vez. Agora temos de ser fortes pela Lia, ela está muito abalada com tudo isto."
Pela Lia.
O meu mundo inteiro reduziu-se a essas duas palavras.
O meu filho estava morto porque a Lia tinha um pneu furado e estava "abalada".
Uma calma gelada apoderou-se de mim.