Passei os dias seguintes em uma névoa.
A casa parecia grande e vazia demais.
Cada canto guardava uma memória do Leo, um eco de sua risada.
Eu não comia direito. Não dormia.
Apenas existia.
Uma semana depois do funeral, meu celular tocou.
Era um número desconhecido.
Ignorei.
Mas a pessoa insistiu, ligando de novo e de novo.
Finalmente, atendi, irritado.
"Alô?"
"Pedro? É a Sofia. A namorada do Leo."
A voz dela era suave, quebrada pela dor.
Meu coração apertou.
Eu tinha me esquecido completamente dela.
No meio do meu próprio luto, eu a tinha deixado de lado.
"Sofia. Me desculpe. Eu..."
"Tudo bem," ela me interrompeu. "Eu entendo. Eu só... eu precisava falar com você. Tem algumas coisas do Leo aqui comigo. Eu queria saber se você gostaria de ficar com elas."
"Sim," eu disse imediatamente. "Sim, claro."
"Podemos nos encontrar? Talvez no café perto do parque? Onde o Leo gostava de ir."
"Estarei lá em uma hora," eu disse.
Desliguei e me olhei no espelho.
Eu parecia um fantasma.
Olhos fundos, barba por fazer.
Vesti uma roupa limpa e saí de casa pela primeira vez em dias.
O sol ainda brilhava, indiferente.
Cheguei ao café e a vi sentada em uma mesa no canto.
Ela estava mexendo em um guardanapo, os olhos vermelhos e inchados.
Quando me viu, ela se levantou e me abraçou.
Foi um abraço desajeitado, cheio de uma dor compartilhada.
Nós dois amávamos o Leo. E nós dois o perdemos.
"Eu sinto muito, Pedro," ela sussurrou.
"Eu também sinto muito, Sofia."
Nós nos sentamos, e ela me entregou uma pequena caixa de sapatos.
"São algumas fotos, o moletom favorito dele, e... e esta carta."
Ela tirou um envelope da caixa.
Meu nome estava escrito nele, na caligrafia bagunçada do Leo.
"Ele escreveu na noite anterior ao... ao acidente," ela disse, a voz falhando. "Ele queria te entregar pessoalmente."
Peguei a carta, os dedos tremendo.
Eu não conseguia abri-la. Não ali.
"Obrigado, Sofia."
"Ele falava muito de você," ela disse, um sorriso triste no rosto. "Ele te admirava. Dizia que você era a pessoa mais forte que ele conhecia."
As palavras dela me atingiram com força.
Forte? Eu me sentia tudo, menos forte.
"Ele estava tão animado," ela continuou, os olhos perdidos em uma memória. "Ele tinha conseguido a bolsa de estudos para a faculdade de artes. Ele ia te contar naquela noite."
Uma nova onda de dor me atingiu.
Uma bolsa de estudos.
O sonho dele.
Ele estava tão perto.
"Ele não merecia isso," eu disse, a voz embargada.
"Não, não merecia," ela concordou, enxugando uma lágrima.
Ficamos em silêncio por um tempo, o barulho do café ao nosso redor parecendo distante.
Éramos duas ilhas de luto em um mar de normalidade.
"Como você está?" ela perguntou, a preocupação genuína em sua voz.
"Eu não sei," admiti. "Minha mãe foi embora. Com o padrasto."
Os olhos de Sofia se arregalaram.
"O quê? Por quê?"
Eu contei a ela. Tudo.
A ligação do Leo, o tornozelo de Miguel, a briga, a partida da minha mãe.
Ela ouviu em silêncio, a mão cobrindo a boca em choque.
"Eu não posso acreditar," ela disse quando terminei. "Como ela pôde?"
"Eu não sei," eu repeti, sentindo-me oco por dentro.
"Você não pode ficar sozinho, Pedro," ela disse, a voz firme. "Você não precisa passar por isso sozinho."
As palavras dela eram gentis, mas eu não conseguia aceitá-las.
Eu estava sozinho.
Essa era a minha nova realidade.