Um Novo Começo Sem Você
img img Um Novo Começo Sem Você img Capítulo 1
2
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 1

Quando acordei, o cheiro de desinfetante encheu as minhas narinas, uma lembrança fria do que tinha acabado de acontecer.

A enfermeira, com uma expressão simpática, verificava o meu soro.

"Você é a Eva, certo? O seu marido, o Leo, ligou. Disse que estava preso no trânsito por causa da inundação, mas que viria assim que pudesse."

Trânsito?

Olhei para o ecrã da televisão pendurado na parede do quarto do hospital, que transmitia as notícias urgentes.

"Inundações históricas em Lisboa: o bairro da Baixa está completamente submerso, equipas de resgate lutam para salvar os residentes presos."

O meu coração afundou-se.

Eu sabia que o Leo não estava preso no trânsito.

Ele estava com a Sofia, a sua ex-namorada.

Peguei no meu telemóvel com as mãos a tremer. A minha barriga, antes redonda e cheia de vida, estava agora vazia, uma dor oca que ecoava por todo o meu ser.

O nosso bebé, que esperei com tanto amor, tinha-se ido.

Disquei o número do Leo. Chamou, chamou, e quando estava prestes a desistir, ele atendeu.

A sua voz soava distante e irritada.

"Eva? O que se passa? Estou muito ocupado agora, não posso falar."

Ao fundo, ouvi a voz suave e chorosa da Sofia.

"Leo, o meu pé dói tanto... e o Pompom está tão assustado, não para de tremer."

Pompom era o seu cão.

A voz do meu sogro, o Sr. Matias, soou a seguir, cheia de uma preocupação que ele nunca me mostrou.

"Não te preocupes, Sofia. O Leo está aqui. Ele vai cuidar de tudo. Já chamei um amigo veterinário para o Pompom."

Uma risada amarga escapou-me.

"Ocupado, Leo? Ocupado a consolar a tua ex-namorada enquanto a tua mulher perde o vosso filho?"

Houve um silêncio do outro lado, pesado e culpado.

"Eva, não é o que parece," ele finalmente disse, a sua voz agora mais baixa. "A Sofia estava presa, a casa dela inundou. Eu tinha de a ajudar. Tu estavas no hospital, segura."

Segura? Eu estava a sangrar, o nosso filho estava a morrer, e ele achava que eu estava segura?

"Leo," eu disse, a minha voz fria e sem emoção. "Quero o divórcio."

A raiva explodiu do outro lado da linha.

"Divórcio? Estás a brincar comigo? Por causa disto? A Sofia estava em perigo de vida! Não tens um pingo de compaixão? Depois de tudo o que ela passou?"

Tudo o que ela passou? E eu? E o nosso filho?

"Ela não tinha mais ninguém, Eva! Eu era a única pessoa a quem ela podia recorrer!"

As lágrimas que eu segurava com força ameaçaram cair, mas eu recusei-me a deixá-las sair.

"Então fica com ela. Fica com a tua preciosa Sofia e o seu cão. Mas eu e tu, acabámos."

Desliguei antes que ele pudesse responder.

Tentei ligar novamente, só para descobrir que ele me tinha bloqueado.

Claro que tinha.

O telemóvel escorregou da minha mão e caiu no chão com um baque surdo.

Ele tinha razão sobre uma coisa. Se o nosso bebé ainda estivesse aqui, eu talvez hesitasse. Teria lutado por uma família completa, por ele.

Mas agora, não havia mais nada para lutar. A única coisa que nos unia tinha sido arrancada de mim.

Ficar com o Leo agora seria apenas um lembrete constante da minha perda, da sua traição.

E a desculpa dele era tão fraca. A casa da Sofia ficava no Restelo, a quilómetros de distância da zona da inundação na Baixa. Ele não foi "ajudá-la no caminho". Ele escolheu ir para lá.

Ele escolheu-a a ela em vez de mim. Em vez do nosso filho.

Enquanto eu estava perdida nos meus pensamentos, o meu telemóvel tocou. Era o meu pai.

Hesitei, mas atendi. Talvez ele me oferecesse algum conforto.

Enganei-me.

"Eva! O que é esta história de divórcio? A mãe do Leo acabou de me ligar, em pânico! Como podes ser tão egoísta? O Leo estava a ajudar uma alma em apuros! Foi isso que te ensinei? A ser tão insensível?"

A sua voz era dura, cheia de desapontamento.

"Pai, eu perdi o bebé."

A minha voz era um sussurro.

Houve uma pausa. Por um momento, pensei ter ouvido um pingo de tristeza.

"Eu sei, e lamento por isso. Mas isso não é desculpa para agires de forma irracional. O casamento é um compromisso. Tu e o Leo vão superar isto. Agora, liga à mãe dele e pede desculpa por a teres preocupado."

E com isso, ele também desligou.

Fiquei a olhar para o telemóvel, sentindo-me completamente sozinha no mundo.

Ninguém estava do meu lado.

Para eles, eu era a vilã. A mulher irracional e insensível.

E a Sofia? Ela era a vítima. A pobre e indefesa Sofia.

Uma raiva fria começou a crescer dentro de mim, substituindo a dor.

Se eles queriam uma vilã, então eu seria uma.

Eu ia conseguir o meu divórcio. E ia certificar-me de que o Leo pagava por cada lágrima que eu derramei, por cada pedaço do meu coração que ele partiu.

Esta era a minha promessa.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022