Contei-lhe tudo. A inundação, as chamadas não atendidas, a perda do bebé, a conversa com o Leo e com o meu pai.
Ela ouviu em silêncio, a sua expressão a passar de choque para fúria.
"Aquele filho da mãe," ela sibilou quando terminei. "E o teu pai... não consigo acreditar."
"Ninguém acredita em mim, Clara. Todos acham que estou a exagerar."
"Eles estão errados," ela disse com firmeza. "O que ele fez foi imperdoável. E tu és a pessoa mais forte que conheço por o teres deixado."
Ela pegou na minha mão. "Vais ficar comigo. O meu apartamento não é grande, mas é teu pelo tempo que precisares."
Senti uma onda de gratidão tão intensa que as lágrimas finalmente vieram.
Na manhã seguinte, a Clara recomendou-me uma advogada, a Dra. Isabel Neves, conhecida por ser implacável em casos de divórcio.
Marquei uma consulta para essa mesma tarde.
O escritório da Dra. Neves era moderno e minimalista. Ela era uma mulher de cinquenta e poucos anos, com um olhar aguçado que parecia ver através de mim.
Contei-lhe a minha história, desta vez de forma mais calma e factual.
Quando terminei, ela inclinou-se para a frente, com os cotovelos na secretária.
"Sra. Ramos, o seu caso é emocionalmente complexo, mas legalmente, é bastante simples. Portugal tem o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges. Como o seu marido se opõe, vamos avançar com a segunda opção."
Ela continuou. "A base legal será a 'rutura definitiva do casamento'. A conduta dele durante a sua emergência médica é uma prova forte. Precisaremos de todos os registos. As suas chamadas para ele, os registos hospitalares, testemunhas."
"A minha amiga Clara sabe de tudo," eu disse.
"Excelente. E quanto a bens? Vocês têm um acordo pré-nupcial?"
"Não. Casámo-nos com comunhão de adquiridos. A casa está em nome de ambos."
"Entendido. Vamos lutar pela sua metade de tudo. E dado o sofrimento emocional que ele lhe causou, podemos também pedir uma indemnização."
Senti um peso a sair dos meus ombros. Ter alguém a levar-me a sério, a planear uma estratégia, era incrivelmente reconfortante.
"O que devo fazer agora?" perguntei.
"Nada. Deixe-me tratar de tudo. Vou enviar a petição de divórcio ao seu marido hoje. A partir de agora, toda a comunicação deve passar por mim. Não fale com ele. Não responda às mensagens dele ou da família dele. Bloqueie-os se for preciso."
Segui o seu conselho à risca.
Quando cheguei ao apartamento da Clara, tinha dezenas de chamadas perdidas do Leo, da mãe dele e até do meu pai.
Apaguei-as todas sem ouvir e bloqueei os números.
Senti-me livre.
Mas a paz não durou muito.
Dois dias depois, a campainha do apartamento da Clara tocou.
A Clara espreitou pelo olho mágico.
"É a tua sogra," ela sussurrou, com uma expressão de desagrado.
O meu coração deu um salto. Como é que ela me encontrou?
"Não abras," eu disse.
Mas a D. Laura, a mãe do Leo, começou a bater na porta, cada vez com mais força.
"Eva, eu sei que estás aí! Abre a porta! Precisamos de conversar! Pára com esta loucura!"
A sua voz, normalmente melosa, estava estridente e desesperada.
"Por favor, Eva! Pensa na família! Pensa no que estás a fazer ao meu filho!"
A Clara olhou para mim. "Queres que eu chame a segurança?"
Balancei a cabeça. "Não. Deixa-a gritar. Eventualmente, ela vai cansar-se."
E foi o que fizemos. Sentámo-nos em silêncio no sofá, enquanto os gritos e os murros na porta continuavam.
Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, o barulho parou.
Esperámos mais dez minutos em silêncio antes de a Clara espreitar novamente.
"Ela foi-se embora."
Respirei fundo, a tensão a deixar o meu corpo.
Mas eu sabia que aquilo era apenas o começo.
Eles não iam desistir facilmente.