O Miguel só apareceu no dia seguinte.
Ele parecia cansado, com olheiras escuras sob os olhos, mas a sua roupa estava impecável.
Ele sentou-se na cadeira ao lado da minha cama, evitando o meu olhar.
"Eva, eu sei que estás chateada."
A sua voz era baixa, quase um sussurro.
"Mas a Sofia estava em choque. Ela precisava de mim."
Eu ri, um som seco e sem alegria que arranhou a minha garganta.
"E eu? Eu não precisava de ti? O nosso filho não precisava de ti?"
Ele finalmente olhou para mim, e vi irritação nos seus olhos.
"Não sejas dramática. Foi um acidente. Estas coisas acontecem."
"Estas coisas acontecem?", repeti, a minha voz a subir. "Tu deixaste-me a sangrar no carro para ires consolar a tua ex-namorada! O nosso filho morreu, Miguel!"
"Não fales do meu filho!", ele gritou, levantando-se de repente. "Tu é que foste irresponsável! Se tivesses ficado em casa como eu te disse, nada disto teria acontecido!"
A culpa. Ele estava a tentar virar a culpa para mim.
Eu senti o meu corpo tremer de raiva.
"Eu fui a uma consulta pré-natal, Miguel. Uma consulta que tu te esqueceste porque estavas 'demasiado ocupado'."
Ele ficou sem palavras, o seu rosto vermelho de fúria.
Nesse momento, o meu advogado, o Sr. Alves, entrou no quarto. Ele era um velho amigo da minha família.
Ele olhou para o Miguel com frieza e depois para mim, com uma expressão de simpatia.
"Eva, eu trouxe os papéis do divórcio, como pediste."
Ele colocou uma pasta na mesinha de cabeceira.
O Miguel olhou para os papéis e depois para mim, incrédulo.
"Tu estás mesmo a fazer isto? Depois de tudo o que passámos?"
"Depois do que tu me fizeste passar", corrigi, a minha voz firme. "Acabou, Miguel. Eu quero o divórcio."
Ele riu, um som desagradável.
"Tu não vais conseguir nada, Eva. Tu não tens nada. O teu pai deixou-te sem um tostão. Vais voltar a rastejar para mim."
Com essa ameaça, ele saiu do quarto, deixando um silêncio pesado para trás.
O Sr. Alves suspirou.
"Ele vai tornar as coisas difíceis, Eva."
"Eu sei", respondi, olhando para a minha barriga lisa sob os lençóis. "Mas eu já perdi tudo o que importava. Não tenho mais nada a temer."