O Fio da Meada Quebrado
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Capítulo 2

A voz do meu sogro era como um martelo, cada palavra a bater com força.

"A Sofia está traumatizada, o gato dela quase morreu! O Pedro fez o que qualquer homem decente faria. E a tua filha, em vez de o apoiar, faz uma cena destas? Ela não tem vergonha?"

A minha mãe, ainda fraca da cirurgia, tentou responder, mas a sua voz era apenas um sussurro. "Tiago, por favor, a Clara..."

"A Clara o quê? Ela que pense bem no que fez! Se continuar com esta estupidez, digo-lhe já que não vai ver um cêntimo do nosso dinheiro! E pode esquecer qualquer ajuda da nossa parte!"

Ele desligou. O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de humilhação.

A minha mãe olhou para mim, os seus olhos cheios de uma dor que eu conhecia bem. Era a dor de quem se sente impotente.

"Filha..." ela começou, a sua mão a tremer enquanto tentava alcançar a minha.

"Não digas nada, mãe. Eu ouvi tudo." A minha voz saiu mais firme do que eu esperava. A raiva estava a substituir a tristeza, a dar-me uma força que eu não sabia que tinha.

"Eles não querem saber de nós. Nunca quiseram."

Naquela noite, não consegui dormir. A cada hora que passava, a minha decisão tornava-se mais sólida. O divórcio não era uma opção, era uma necessidade. Era a minha única saída.

No dia seguinte, pedi alta do hospital, contra o conselho dos médicos. Precisava de ir a casa, precisava de enfrentar o Pedro. A minha mãe ficou no hospital, sob os cuidados das enfermeiras. Prometi-lhe que voltaria em breve e que tudo ia ficar bem.

Quando cheguei ao nosso apartamento, a porta estava destrancada. Entrei e encontrei o Pedro sentado no sofá, a olhar para a televisão desligada. A casa cheirava a fumo e a desinfetante.

Ele não se virou quando entrei.

"Já voltaste," disse ele, sem emoção.

"Sim. Vim buscar as minhas coisas."

Ele finalmente olhou para mim. Havia um cansaço nos seus olhos, mas nenhuma culpa. "Clara, não sejas ridícula. Estás a fazer uma tempestade num copo de água."

"Uma tempestade num copo de água?" repeti, incrédula. "Pedro, eu perdi o nosso filho. Sozinha. Enquanto tu estavas a salvar a tua ex-namorada e o gato dela."

"Eu já te expliquei! Foi pelo caminho! O que querias que eu fizesse? Deixá-la lá a morrer?"

"Ela não estava a morrer! E a casa dela fica a dez quilómetros do hospital! Que raio de 'caminho' é esse?"

"Estás a exagerar," ele disse, levantando-se. "Estás sensível por causa... do que aconteceu. Mas isso vai passar. Nós vamos ultrapassar isto."

"Não, Pedro. 'Nós' não vamos ultrapassar nada. 'Eu' vou ultrapassar isto. Sozinha."

Fui até ao nosso quarto e comecei a tirar as minhas roupas do armário, a enfiá-las de qualquer maneira numa mala. Cada peça de roupa era uma memória, uma memória que eu agora queria apagar.

Ele seguiu-me, a sua voz agora a tentar ser mais suave, mais manipuladora.

"Pensa bem, Clara. O que vais fazer? Não tens para onde ir. A tua mãe está doente. Precisas de mim."

Parei e olhei para ele, a mala meio cheia no chão.

"Enganas-te. Eu nunca precisei de ti. Eu queria-te. E isso é muito diferente."

            
            

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