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O calor da noite de São João era denso, pesado com o cheiro de milho assado e a poeira levantada pelos pés dançantes. O som da sanfona, do triângulo e da zabumba ditava o ritmo dos corações na pequena cidade do sertão. Eu estava no meu elemento, girando no meio do povo, sentindo a música como uma segunda pele. Era a minha liberdade.
Um conhecido da cidade, um homem que sempre me olhava de um jeito que me dava arrepios, aproximou-se com um copo na mão.
"Uma bebida para a melhor dançarina da festa, Sofia."
Eu hesitei, mas a sede era grande e a recusa seria vista como grosseria. Agradeci e bebi um gole generoso. Foi um erro.
Minutos depois, o mundo começou a girar. O calor aumentou, uma febre estranha subindo pela minha pele. O rosto do homem tornou-se predador. O seu sorriso era um convite para algo que eu não queria. O pânico subiu pela minha garganta.
Precisei de fugir.
Corri para longe da luz e da música, procurando um canto escuro para recuperar o fôlego e a clareza. As minhas pernas estavam fracas. A minha cabeça latejava. Tropecei e caí contra algo duro, firme. Uma muralha humana.
"Cuidado."
A voz era fria, cortante como uma faca no ar quente da noite. Olhei para cima. A minha visão estava turva, mas consegui distinguir uma silhueta alta, imponente. Um homem de roupas caras que não pertenciam àquele lugar. No meu estado de confusão, o seu rosto misturou-se com o do meu assediador.
O desespero tomou conta de mim. Agi por puro instinto.
Agarrei-me à sua camisa, o tecido fino e caro amassando-se sob os meus dedos.
"Não me deixes", murmurei, a voz pastosa. "Fica comigo."
Ele enrijeceu completamente, o corpo tenso como uma corda de violão.
"Solte-me."
A sua repulsa era palpável, uma onda de gelo que me atingiu mesmo através da névoa da droga. Mas eu não conseguia. Na minha mente confusa, ele era a minha única segurança. Inclinei-me para a frente, tentando beijá-lo, procurando um porto seguro no meio da tempestade que se formava dentro de mim.
Ele virou o rosto bruscamente, o seu maxilar tenso.
"O que pensa que está a fazer?"
A sua mão agarrou o meu braço, não com violência, mas com uma força contida que me afastou. O seu olhar era de puro desprezo. Ele via uma rapariga vulgar, uma sertaneja atrevida a tentar a sua sorte.
Nesse momento, uma vizinha, Dona Elza, encontrou-me.
"Sofia, minha filha! O que aconteceu?"
Ao ver outra pessoa, o homem soltou-me como se eu queimasse. Ele olhou para a minha roupa simples, para os meus pés descalços sujos de terra, e depois para Dona Elza. O seu julgamento estava estampado no seu rosto.
Sem dizer mais uma palavra, ele deu-me as costas e desapareceu na escuridão, deixando para trás apenas o eco da sua voz fria e o peso da sua repulsa.