A dor no meu peito era física. Uma pontada aguda que me tirava o ar. Inclinei-me para a frente, a respirar com dificuldade.
"Ana, o que se passa?" Diogo ajoelhou-se ao meu lado, a sua cara uma máscara de preocupação. "Queres que chame um médico?"
A sua hipocrisia era sufocante. Abanei a cabeça. "Não, é só... cansaço."
"Tens andado muito em baixo," disse ele, acariciando-me o rosto. "Talvez devesses parar com os fados por um tempo. Descansar. Eu cuido de ti."
Ele queria silenciar a minha alma, não apenas a minha voz.
"Talvez tenhas razão," murmurei. Olhei para ele, tentando manter a voz neutra. "Sabes, Diogo, estava a ver uma série de televisão. Sobre um homem que parecia perfeito, mas que tinha uma vida dupla. É fascinante como as pessoas conseguem mentir tão bem."
Ele riu, um som tenso. "Isso são só histórias, meu amor. A nossa vida não é ficção. O que nós temos é real."
"É?" perguntei, a minha voz um pouco mais forte do que pretendia.
"Claro que é!" Ele parecia ofendido. "Como podes duvidar de mim, Ana? Depois de tudo o que fiz por ti, por nós?"
O telemóvel dele tocou nesse preciso momento. Ele olhou para o ecrã e a sua expressão mudou. Levantou-se abruptamente.
"Tenho de ir. Uma emergência na adega. Um problema com um dos lotes principais."
"A esta hora? No meio da noite?"
"O vinho não espera, Ana. Volto o mais rápido que puder. Fica aqui, descansa." Ele beijou-me à pressa e saiu.
Esperei cinco minutos. O meu coração batia descontroladamente. Abri a aplicação de localização no meu telemóvel, a que partilhávamos "por segurança". O ponto que representava o Diogo não se movia em direção à adega.
Movía-se para sul. Para o Aeroporto de Lisboa.
Não hesitei. Chamei um táxi. "Para o aeroporto, por favor. O mais rápido que conseguir."
Segui o ponto no mapa. Vi-o entrar no terminal. Vi o status do voo para Faro a ser atualizado para "Embarque".
Não precisei de ir mais longe. Voltei para o táxi. No caminho de volta para a Pousada, abri o Instagram. Sofia tinha acabado de publicar uma nova story.
Era um vídeo dela num clube de praia em Albufeira. As luzes estroboscópicas, a música eletrónica a abafar o som das ondas. E depois, Diogo entrou no enquadramento. Ele não a beijou. Ele agarrou-a pela cintura e puxou-a para ele, enterrando o rosto no pescoço dela. O olhar dele era faminto, possessivo. Um olhar que eu conhecia bem.
O motorista do táxi olhou para mim pelo espelho retrovisor. Eu estava a chorar em silêncio, as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto sem que eu fizesse qualquer som.
"A senhora está bem?" perguntou ele, com uma voz gentil. "O amor às vezes é a coisa mais cruel do mundo. Faz-nos acreditar num paraíso e depois atira-nos para o inferno sem aviso."
Assenti, incapaz de falar. Quando chegámos à Pousada, limpei as lágrimas.
A decisão estava tomada. Não havia perdão. Não havia volta a dar. A lealdade era a minha única regra. E ele tinha-a quebrado da forma mais espetacular possível.