Quando a chamada do meu marido, Pedro, finalmente chegou, eu já tinha perdido o nosso filho.
A enfermeira acabara de me ajudar a sentar na cama do hospital, o seu rosto cheio de uma pena que eu não conseguia processar.
O quarto estava silencioso, apenas o som fraco dos monitores e o cheiro de desinfetante.
Lá fora, a vida continuava, mas a minha tinha parado.
Agarrei o telemóvel com as mãos a tremer, a tela a iluminar o rosto pálido de Pedro.
Ele parecia exausto, com o cabelo desgrenhado e olheiras profundas.
"Clara, desculpa. A bateria do meu telemóvel acabou. Só agora consegui um carregador emprestado. Como está o bebé? Está tudo bem?"
A sua voz estava cheia de uma preocupação que chegou tarde demais.
Olhei para a minha barriga agora vazia, um espaço oco onde antes havia vida e esperança.
As lágrimas que eu tinha segurado por horas finalmente começaram a cair, silenciosas e quentes.
"Pedro," a minha voz saiu rouca, um sussurro partido. "Nós perdemos o bebé."
O silêncio do outro lado da linha foi mais pesado do que qualquer grito.
Podia imaginá-lo a parar, o mundo dele a desfazer-se como o meu se tinha desfeito.
"O quê? Como... como assim? O que aconteceu?"
"Eu caí nas escadas," disse eu, a voz monótona. "Liguei-te tantas vezes. Mandei dezenas de mensagens. Onde estavas?"
Ele hesitou. Essa pequena pausa continha um universo de respostas que eu temia.
"Eu estava com a Sofia. O pai dela teve um ataque cardíaco. Ela estava em pânico, não tinha mais ninguém. Levei-o para o hospital, esperei com ela. Clara, eu juro, não vi as tuas chamadas."
Sofia. A sua ex-namorada. A mulher que ele jurou ser apenas uma amiga.
"O pai dela está bem?" perguntei, a calma na minha voz a assustar-me a mim mesma.
"Sim, os médicos estabilizaram-no. Ele está fora de perigo agora. Mas a Sofia estava um farrapo. Eu não a podia deixar sozinha."
Claro que não podia.
Ele não podia deixar a sua ex-namorada sozinha, mas podia deixar a sua esposa grávida, que carregava o seu filho, sem resposta durante horas de agonia.
"Entendo," disse eu. E eu entendia. Entendia tudo com uma clareza dolorosa. "Acho que devemos divorciar-nos, Pedro."
"Divórcio? Clara, estás a brincar? Nós acabámos de perder o nosso filho! Precisamos de nos apoiar um ao outro agora, não de nos separarmos!"
A sua voz subiu, cheia de pânico e incredulidade.
"Apoiar um ao outro?" repeti, uma risada amarga a escapar dos meus lábios. "Onde estavas quando eu precisei de apoio? Onde estavas quando o nosso filho precisava de ti?"
"Eu já te disse! O pai da Sofia..."
"Para com a Sofia!" gritei, a minha calma a estilhaçar-se. "O nosso filho morreu, Pedro! E tu estavas a consolar outra mulher!"
"Não é assim! Tu não entendes a situação!"
"Não, Pedro. És tu que não entendes. Acabou. Quando eu sair daqui, vou a casa buscar as minhas coisas."
Desliguei a chamada antes que ele pudesse responder.
Atirei o telemóvel para o lado da cama, o corpo a tremer com soluços que não produziam som.
O nosso bebé. O nosso tão desejado bebé.
Tínhamos tentado por dois anos. Dois anos de consultas médicas, tratamentos, esperanças e desilusões.
Quando finalmente consegui engravidar, chorámos de alegria. Ele beijou a minha barriga todas as noites, falou com o nosso filho, fez planos para o futuro.
E agora, tudo se tinha transformado em pó.
E a razão era a sombra que sempre pairou sobre o nosso casamento. Sofia.
Ele nunca a tinha esquecido de verdade. E eu, na minha estupidez, acreditei que o nosso amor e o nosso filho seriam suficientes para a apagar para sempre.
Estava enganada.