Dois dias depois, recebi alta do hospital.
O meu corpo ainda doía, mas era uma dor surda comparada com o vazio no meu coração.
Pedro não apareceu. Ele mandou mensagens, dezenas delas, a implorar, a explicar, a pedir perdão.
Eu não respondi a nenhuma.
A minha irmã mais nova, Lia, veio buscar-me.
Ela abraçou-me com força à porta do hospital, os seus olhos cheios de lágrimas que ela tentava esconder por minha causa.
"Vamos para minha casa, Clara. Não voltes para aquele apartamento."
A sua voz era firme, protetora.
Assenti, demasiado cansada para discutir.
Sabia que ela tinha razão. Voltar àquele apartamento, ao quarto de bebé que tínhamos preparado com tanto amor, seria insuportável.
A casa de Lia era pequena e acolhedora. Ela fez-me um chá, sentou-se comigo no sofá e simplesmente segurou a minha mão.
Não precisávamos de palavras.
O meu telemóvel vibrou novamente. Era a mãe de Pedro, a Dona Helena.
Hesitei, mas acabei por atender. Talvez ela me fizesse ver as coisas de outra forma.
"Clara, minha querida. O Pedro contou-me o que aconteceu. Sinto tanto, tanto pela vossa perda."
A sua voz era genuinamente triste. Sempre gostei da minha sogra.
"Obrigada, Dona Helena."
"Mas, filha, ele também me contou que queres o divórcio. Por favor, reconsidera. Ele cometeu um erro, um erro terrível, eu sei. Mas ele ama-te. Ele está destroçado."
"Ele não estava aqui," disse eu, a voz sem emoção.
"Eu sei, e não há desculpa para isso. Mas a Sofia... ela tem uma certa influência sobre ele. É uma ligação antiga, difícil de quebrar. Mas és tu a mulher dele, a família dele. Ele escolheu-te a ti."
Uma ligação antiga. Era assim que ela chamava?
"Ele fez a escolha dele quando me ignorou. E eu fiz a minha agora."
"Clara, não sejas precipitada. O luto pode fazer-nos tomar decisões das quais nos arrependemos. Dêem um tempo a vocês mesmos. Pensem bem."
"Eu já pensei. A decisão está tomada. Por favor, diga ao Pedro para não me contactar mais. O meu advogado entrará em contacto com ele."
Desliguei, o meu coração a pesar.
Sabia que a tinha magoado, mas não podia ceder.
Isto não era sobre um único erro. Era sobre um padrão, sobre uma escolha repetida.
Pedro sempre colocou as necessidades de Sofia à frente das minhas, à frente das nossas.
A emergência do pai dela foi apenas a desculpa perfeita, a prova final de que eu nunca seria a sua prioridade.
Lia tirou o telemóvel da minha mão.
"Chega. Vais descansar. Eu trato de tudo."
Deixei-a guiar-me até ao quarto de hóspedes.
Deitei-me na cama e fechei os olhos, mas o sono não veio.
Em vez disso, a imagem do ultrassom do nosso filho apareceu na minha mente. Aquele pequeno feijão a piscar, a promessa de uma vida inteira.
Uma vida que lhe foi roubada porque o pai dele estava demasiado ocupado a ser o herói de outra pessoa.