Passei a semana seguinte num nevoeiro.
Lia tratou de tudo. Falou com um advogado, começou o processo de divórcio e filtrou todas as chamadas e mensagens do Pedro e da família dele.
Eu mal comia, mal dormia. A maior parte do tempo, ficava sentada a olhar para a parede, a reviver o momento da queda, a dor, o sangue.
Um dia, Lia sentou-se à minha frente com uma expressão séria.
"Clara, precisas de sair de casa. Nem que seja só por uma hora."
"Não quero," murmurei.
"Não foi uma pergunta."
Ela puxou-me do sofá e obrigou-me a vestir.
Fomos a um café perto da casa dela. O sol lá fora parecia uma ofensa pessoal.
Enquanto mexia no meu café intocado, o meu olhar vagueou pela rua.
E então, eu vi-os.
Pedro e Sofia.
Estavam sentados num banco de jardim do outro lado da rua.
Ela estava a chorar, e ele tinha o braço à volta dela, a abraçá-la, a murmurar palavras de conforto no seu ouvido.
O meu corpo gelou.
Era uma cena de uma intimidade dolorosa.
Ele estava a fazer por ela exatamente o que devia ter feito por mim.
Ele estava a consolar a sua dor enquanto a minha me consumia sozinha.
Lia seguiu o meu olhar e soltou um palavrão.
"Vamos embora, Clara."
Mas eu não conseguia mexer-me. Estava paralisada pela visão.
Era a confirmação de tudo o que eu já sabia, mas ver com os meus próprios olhos era diferente.
Era como se o chão se abrisse debaixo de mim.
Pedro levantou a cabeça e o seu olhar cruzou com o meu através do vidro do café.
O pânico inundou o seu rosto. Ele afastou-se rapidamente de Sofia, como se tivesse sido apanhado a fazer algo de errado.
E tinha sido.
Levantei-me abruptamente, a cadeira a arrastar-se ruidosamente no chão.
Saí do café, Lia a chamar o meu nome atrás de mim.
Atravessei a rua, sem olhar para os carros.
Parei em frente a eles.
Sofia olhou para mim, os seus olhos vermelhos de choro, mas com um brilho de triunfo.
Pedro levantou-se, as mãos no ar como se se estivesse a render.
"Clara, não é o que parece. Eu juro."
"Não é o que parece?" a minha voz era perigosamente calma. "Parece que estás a consolar a tua namorada. Estou errada?"
"Ela não é minha namorada! O pai dela está muito doente, ela está a passar por um momento difícil!"
"E eu?" perguntei, a voz a subir um pouco. "Eu não passei por um momento difícil? Onde estava o meu consolo, Pedro? Onde estavas tu quando eu perdi o nosso filho?"
As pessoas na rua começaram a olhar. Eu não me importava.
"Eu errei, Clara! Eu sei! Mas eu amo-te!"
Sofia levantou-se. "Deixa-a, Pedro. Ela está apenas a ser dramática."
Virei-me para ela, um fogo a acender-se dentro de mim.
"Dramática? Eu perdi o meu filho. O que é que tu perdeste, Sofia? A oportunidade de ter o meu marido só para ti?"
Ela recuou, o seu rosto a contorcer-se de raiva.
"Tu não sabes nada sobre nós!"
"Eu sei o suficiente. Sei que és uma sombra que ele nunca conseguiu deixar para trás. Mas agora, eu estou a deixá-lo para ti. Ele é todo teu. Espero que sejam muito felizes."
Virei-me para Pedro uma última vez.
"Nunca mais me procures. Para ti, eu morri juntamente com o nosso filho."
Dei-lhes as costas e afastei-me, sem olhar para trás.
Lia alcançou-me e passou o braço pelos meus ombros.
Eu não chorei. Naquele momento, não havia lágrimas.
Apenas um deserto gelado onde o meu coração costumava estar.