"Ele não sacrificou nada pela Sofia. Ele correu para o fogo por uma obsessão egoísta e pagou o preço. E Sofia iniciou o incêndio. Parem de tratá-los como vítimas."
Meu pai bateu na mesa. "Chega! Não importa quem começou o quê! O que importa é que a família Albuquerque é a nossa maior parceira de negócios! E agora, o herdeiro deles está numa cadeira de rodas! Você tem que consertar isso."
Eu cruzei os braços. "Consertar? E como eu faria isso?"
Minha mãe se aproximou, seus olhos brilhando com uma ideia que para ela parecia genial.
"Você vai se casar com o Pedro."
A proposta era tão absurda, tão grotesca, que eu quase ri. Era o mesmo plano da minha vida passada, mas sob circunstâncias diferentes. Antes, era para me punir. Agora, era para me usar como um curativo numa ferida financeira.
"Você vai se casar com ele" , continuou minha mãe, animada. "Será um ato de nobreza da sua parte. Vai mostrar a todos que nossa família não os abandonou nesse momento difícil. Vai acalmar os Albuquerque e salvar os negócios do seu pai."
"Vocês estão me pedindo para me acorrentar a um homem aleijado, que me odeia, para salvar um contrato?" , perguntei, minha voz perigosamente baixa.
"Não fale assim! É seu dever como filha!" , gritou meu pai.
Eu me levantei, olhando para eles de cima.
"Primeiro, ele não me odeia. Neste momento, ele provavelmente está delirando de dor e remédios. Segundo, se casar com ele não vai curar as pernas dele. E terceiro, e mais importante, vocês são idiotas."
"Como ousa?!" , minha mãe ofegou.
"Vocês acham mesmo que um casamento vai fazer a família Albuquerque esquecer que o único herdeiro deles agora é um inválido? Eles não querem uma nora por pena, eles querem poder, continuidade. E Pedro não pode mais oferecer isso" , expliquei, como se estivesse falando com crianças. "O valor dele para a própria família despencou no momento em que o médico disse a palavra 'irreversível' ."
Eles me encararam, sem entender a crueldade da alta sociedade que tanto idolatravam.
No hospital, a teoria se provou correta. Encontrei a senhora Helena no corredor, e ela tinha acabado de ter uma discussão feia com Sofia, que já estava em um quarto particular, se recuperando das queimaduras.
"Aquela sua irmã!" , Helena sibilou para mim, sua raiva por Sofia superando momentaneamente sua raiva por mim. "Eu fui perguntar a ela sobre o Pedro, sobre o relacionamento deles... e ela negou! Disse que eles eram apenas conhecidos, que nunca deu a ele qualquer esperança!"
"E a senhora se surpreende?" , perguntei calmamente.
"Ela disse que um homem como ele, na condição atual dele, não lhe interessa! Depois de tudo que meu filho fez por ela! Que ingrata! Que monstro!" , desabafou Helena, a decepção e o nojo em sua voz.
Era a oportunidade perfeita.
Mudei minha expressão para uma de simpatia e tristeza.
"Sinto muito, senhora Helena. Eu sei o quanto Pedro a amava... quer dizer, ama Sofia. Ele deve estar com o coração partido."
Ela me olhou, um pouco desarmada pela minha aparente compaixão.
"Ele está... ele não para de chamar por ela. Ele nem sabe da gravidade da situação ainda."
"Talvez... talvez eu possa ajudar" , ofereci, minha voz suave. "Eu sou irmã dela. Talvez, se ele me vir, ele se acalme um pouco. Eu posso... fingir que trago notícias dela. Qualquer coisa para diminuir o sofrimento dele."
A proposta era ousada, mas Helena estava desesperada. Ela me olhou por um longo momento, avaliando. A nora que ela nunca quis, agora se oferecendo para cuidar do filho que a garota dos seus sonhos desprezou. A ironia era deliciosa.
"Tudo bem" , ela cedeu, exausta. "Mas só por alguns minutos."
Eu assenti, um sentimento de triunfo gelado se espalhando pelo meu peito. A porta para a vingança estava se abrindo.
Entrei no quarto de Pedro. O cheiro de remédios era forte. Ele estava deitado na cama, o corpo imóvel sob o lençol branco. Havia monitores apitando ritmicamente ao seu lado. Seus olhos estavam entreabertos, vidrados pelos analgésicos.
Ele se virou lentamente ao me ouvir entrar. Um lampejo de reconhecimento, ou algo que ele pensava ser reconhecimento, brilhou em seus olhos.
"Sofia..." , ele sussurrou, a voz rouca e fraca. "Você veio..."
Ele estendeu a mão, tremendo.
"Eu sabia que você viria. Eu te salvei... Sofia... minha Sofia..."
Eu me aproximei, um sorriso que ele não podia ver em meu rosto. Ele estava completamente perdido em sua fantasia, confundindo a irmã que ele rejeitou com a que ele idolatrava.
Perfeito.
Peguei a mão dele. Estava fria.
"Estou aqui, Pedro" , murmurei, imitando a voz doce e mimada de Sofia. "Estou aqui com você."
Ele suspirou, um som de puro alívio, e apertou minha mão com a pouca força que tinha, afundando de volta em seu delírio. Ele pensava que seu anjo o estava visitando. Mal sabia ele que tinha acabado de dar as mãos ao seu demônio.