Estava a rir, a beijar outra mulher. Carolina. A estrela de reality shows.
As mãos dela estavam no cabelo dele, o corpo dela colado ao dele num bar escuro e caro, um bar que eu conhecia bem.
"Ele diz que te ama, fadista de ouro?", dizia a mensagem de texto que acompanhava o vídeo. "Ele ama o sabor da minha boca enquanto ouve os teus discos."
O meu mundo, construído com tanto cuidado por ele, começou a ruir.
A nossa história de amor era a base da minha carreira. O produtor genial que descobre a jovem talentosa, que a transforma numa estrela, que a ama como um Pigmalião à sua Galateia.
Era tudo uma mentira. Uma mentira que vendia discos e enchia salas de espetáculos.
Senti um nó no estômago. A traição não era só pessoal, era profissional. Ele estava a trair a personagem que ele mesmo criou para mim.
Peguei no meu próprio telemóvel e procurei um contacto que um músico antigo me tinha dado uma vez, numa noite de desespero dele. Um serviço para os ricos e famosos.
"Apagamento de Identidade. Comece de novo. Ninguém saberá."
O meu dedo pairou sobre o botão de chamada.
Lembrei-me da noite em que ele me pediu em casamento, nos bastidores do Coliseu, depois de um concerto esgotado.
"Tu és a minha vida, Sofia. Sem ti, não sou nada."
As suas palavras, que antes eram a minha segurança, agora soavam como veneno.
Ele não me amava. Ele amava a adoração que eu lhe dava. Amava a imagem de homem perfeito que construiu à minha volta.
Carreguei no botão.
Uma voz calma e profissional atendeu. "Serviços de Transição. Em que podemos ajudar?"
"Eu quero desaparecer," disse eu, a minha voz um sussurro. "Quero forjar a minha morte."
Houve uma pausa do outro lado da linha.
"Entendido. Podemos tratar disso. O processo é irreversível. Tem a certeza?"
Olhei para a televisão. Diogo estava a sorrir para as câmaras, a acenar. O namorado perfeito. O noivo dedicado.
"Sim," respondi, com uma certeza fria que nunca tinha sentido antes. "Tenho a certeza absoluta."
"Onde e quando?", perguntou a voz.
"Na noite da cerimónia de prémios de música. Daqui a duas semanas. Depois do evento, no rio Tejo."
"Perfeito. Enviar-lhe-emos os detalhes e o contrato. O pagamento será feito em parcelas, através de contas seguras."
A chamada terminou.
Senti um vazio imenso, mas também uma estranha sensação de poder.
A porta abriu-se e Diogo entrou, trazendo consigo o cheiro do sucesso e do perfume caro.
"Meu amor! Viste a entrevista? Estive brilhante, não achas?"
Ele veio na minha direção para me beijar. Desviei o rosto.
Ele franziu a testa, a sua expressão de preocupação perfeitamente ensaiada. "O que se passa, Sofia? Estás pálida. Estás nervosa com os prémios?"
"Só estou cansada," menti.
Ele abraçou-me por trás, o seu queixo no meu ombro. "Não te preocupes. Vais ganhar tudo. E eu tenho uma surpresa para ti nessa noite. O mundo inteiro vai ver o quanto eu te amo."
O pedido de casamento em direto na televisão. O clímax do nosso conto de fadas.
Eu sabia o que tinha de fazer. Tinha de aguentar. Tinha de representar o meu papel até ao fim.
"Mal posso esperar," disse eu, a minha voz a soar oca aos meus próprios ouvidos.
Ele sorriu, satisfeito. Não viu a escuridão nos meus olhos. Ele nunca via. Só via o reflexo dele mesmo.
Mais tarde, fomos a uma loja de vestidos de noiva. A mãe dele insistiu.
"Tens de estar perfeita, querida. A noiva de Diogo tem de ser a mais bonita de Portugal."
Os vestidos brancos e puros pareciam gozar comigo. Eram fantasias, tal como a minha vida.
Diogo estava ao telemóvel, a rir baixinho. "Tenho de ir, um assunto urgente da produtora."
Eu sabia que não era da produtora. Era ela.
A empregada da loja trouxe um vestido deslumbrante, coberto de pérolas. "Este é perfeito para si, menina Sofia."
"Não vou experimentar nada hoje," disse eu, a minha voz firme. "Perdi a vontade."
Saí da loja, deixando a mãe de Diogo e a empregada de boca aberta.
Pela primeira vez, eu estava a sair do guião que ele tinha escrito para mim. E era apenas o começo.