Luz: O Renascer da Fadista
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Capítulo 1

A voz de Diogo, aveludada e cheia de uma falsa sinceridade, ecoava do ecrã da televisão.

"Sofia não é apenas a minha noiva, a minha musa. Ela é a alma do fado moderno. Cada palavra que ela canta, eu sinto-a aqui."

Ele tocou no peito, no lugar do coração. O público aplaudiu.

Eu estava sentada no sofá do nosso luxuoso apartamento em Lisboa, mas o som parecia vir de muito longe.

Na minha mão, o telemóvel estava frio. O ecrã mostrava um vídeo que tinha recebido há minutos de um número desconhecido.

Nele, Diogo não estava a falar de mim.

Estava a rir, a beijar outra mulher. Carolina. A estrela de reality shows.

As mãos dela estavam no cabelo dele, o corpo dela colado ao dele num bar escuro e caro, um bar que eu conhecia bem.

"Ele diz que te ama, fadista de ouro?", dizia a mensagem de texto que acompanhava o vídeo. "Ele ama o sabor da minha boca enquanto ouve os teus discos."

O meu mundo, construído com tanto cuidado por ele, começou a ruir.

A nossa história de amor era a base da minha carreira. O produtor genial que descobre a jovem talentosa, que a transforma numa estrela, que a ama como um Pigmalião à sua Galateia.

Era tudo uma mentira. Uma mentira que vendia discos e enchia salas de espetáculos.

Senti um nó no estômago. A traição não era só pessoal, era profissional. Ele estava a trair a personagem que ele mesmo criou para mim.

Peguei no meu próprio telemóvel e procurei um contacto que um músico antigo me tinha dado uma vez, numa noite de desespero dele. Um serviço para os ricos e famosos.

"Apagamento de Identidade. Comece de novo. Ninguém saberá."

O meu dedo pairou sobre o botão de chamada.

Lembrei-me da noite em que ele me pediu em casamento, nos bastidores do Coliseu, depois de um concerto esgotado.

"Tu és a minha vida, Sofia. Sem ti, não sou nada."

As suas palavras, que antes eram a minha segurança, agora soavam como veneno.

Ele não me amava. Ele amava a adoração que eu lhe dava. Amava a imagem de homem perfeito que construiu à minha volta.

Carreguei no botão.

Uma voz calma e profissional atendeu. "Serviços de Transição. Em que podemos ajudar?"

"Eu quero desaparecer," disse eu, a minha voz um sussurro. "Quero forjar a minha morte."

Houve uma pausa do outro lado da linha.

"Entendido. Podemos tratar disso. O processo é irreversível. Tem a certeza?"

Olhei para a televisão. Diogo estava a sorrir para as câmaras, a acenar. O namorado perfeito. O noivo dedicado.

"Sim," respondi, com uma certeza fria que nunca tinha sentido antes. "Tenho a certeza absoluta."

"Onde e quando?", perguntou a voz.

"Na noite da cerimónia de prémios de música. Daqui a duas semanas. Depois do evento, no rio Tejo."

"Perfeito. Enviar-lhe-emos os detalhes e o contrato. O pagamento será feito em parcelas, através de contas seguras."

A chamada terminou.

Senti um vazio imenso, mas também uma estranha sensação de poder.

A porta abriu-se e Diogo entrou, trazendo consigo o cheiro do sucesso e do perfume caro.

"Meu amor! Viste a entrevista? Estive brilhante, não achas?"

Ele veio na minha direção para me beijar. Desviei o rosto.

Ele franziu a testa, a sua expressão de preocupação perfeitamente ensaiada. "O que se passa, Sofia? Estás pálida. Estás nervosa com os prémios?"

"Só estou cansada," menti.

Ele abraçou-me por trás, o seu queixo no meu ombro. "Não te preocupes. Vais ganhar tudo. E eu tenho uma surpresa para ti nessa noite. O mundo inteiro vai ver o quanto eu te amo."

O pedido de casamento em direto na televisão. O clímax do nosso conto de fadas.

Eu sabia o que tinha de fazer. Tinha de aguentar. Tinha de representar o meu papel até ao fim.

"Mal posso esperar," disse eu, a minha voz a soar oca aos meus próprios ouvidos.

Ele sorriu, satisfeito. Não viu a escuridão nos meus olhos. Ele nunca via. Só via o reflexo dele mesmo.

Mais tarde, fomos a uma loja de vestidos de noiva. A mãe dele insistiu.

"Tens de estar perfeita, querida. A noiva de Diogo tem de ser a mais bonita de Portugal."

Os vestidos brancos e puros pareciam gozar comigo. Eram fantasias, tal como a minha vida.

Diogo estava ao telemóvel, a rir baixinho. "Tenho de ir, um assunto urgente da produtora."

Eu sabia que não era da produtora. Era ela.

A empregada da loja trouxe um vestido deslumbrante, coberto de pérolas. "Este é perfeito para si, menina Sofia."

"Não vou experimentar nada hoje," disse eu, a minha voz firme. "Perdi a vontade."

Saí da loja, deixando a mãe de Diogo e a empregada de boca aberta.

Pela primeira vez, eu estava a sair do guião que ele tinha escrito para mim. E era apenas o começo.

            
            

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