Luz: O Renascer da Fadista
img img Luz: O Renascer da Fadista img Capítulo 4
5
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
img
  /  1
img

Capítulo 4

A dor era física.

Sentia-a no peito, uma pressão que me dificultava a respiração. Sentia-a no estômago, um nó de náusea.

Caminhei pelas ruas de Estoril, o som dos meus saltos altos no pavimento a ecoar na noite silenciosa.

O vestido preto, que antes me parecia elegante, agora sentia-se como uma mortalha.

As palavras de Carolina repetiam-se na minha cabeça.

"Três anos."

"Tu és só uma boneca que ele criou."

Cada memória feliz que eu tinha com Diogo estava agora manchada, contaminada pela mentira.

O nosso primeiro encontro. O primeiro beijo. A primeira canção que ele escreveu para mim.

Tudo falso.

Cheguei à praia. Tirei os sapatos e caminhei na areia fria. O som das ondas era a única coisa que fazia sentido.

Sentei-me na areia, a abraçar os joelhos. E pela primeira vez, chorei.

Não foram lágrimas silenciosas. Foram soluços violentos que me abalavam o corpo todo. Chorei pela rapariga ingénua que eu tinha sido. Chorei pelo amor que pensei ter. Chorei pela vida que me foi roubada.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, as lágrimas pararam.

Fiquei apenas com um vazio gelado.

O meu telemóvel vibrou no bolso do casaco que Diogo me tinha posto nos ombros antes de sairmos de casa.

Era ele. Dezenas de chamadas perdidas. Mensagens.

"Sofia, por favor, atende. Onde estás?"

"Foi um mal-entendido. Deixa-me explicar."

"Eu amo-te. Só a ti."

Apaguei tudo sem ler o resto.

Depois, vi uma nova mensagem de Carolina. Uma fotografia.

Era o vinil de Amália. Estava partido ao meio.

"Oops. Escorregou-me das mãos. Tal como o teu noivo," dizia a legenda.

A crueldade dela era ilimitada.

Mas em vez de dor, senti uma onda de raiva fria.

Ela queria destruir-me. Diogo queria controlar-me.

Eles não iam conseguir.

Levantei-me, limpei a areia do vestido e comecei a caminhar de volta para a estrada. Chamei um táxi.

"Para Lisboa, por favor."

Quando cheguei ao apartamento, Diogo estava lá, a andar de um lado para o outro como um animal enjaulado.

"Sofia! Graças a Deus! Onde estiveste? Fiquei louco de preocupação!"

Ele correu para me abraçar. Eu não me mexi. Fiquei rígida nos seus braços.

"Não me toques," disse eu, a minha voz era gelo.

Ele recuou, confuso. "Meu amor, o que se passa? Aquilo com a Carolina... ela é louca. Ela está a tentar destruir-nos."

"Não, Diogo," disse eu, a olhá-lo nos olhos. "Tu estás a destruir-nos. Há quanto tempo?"

"Há quanto tempo o quê?", perguntou ele, a fingir ignorância.

"O caso. Há quanto tempo dura?"

Ele hesitou. "Não é um caso. Foi um erro. Uma vez. Há muito tempo."

Mentiros.

"Três anos, Diogo. Ela disse-me. Três anos."

O rosto dele desabou. A máscara caiu. Ele sabia que tinha sido apanhado.

"Sofia... eu... eu ia acabar com tudo. Juro. Antes do casamento."

"Não acredito em ti," disse eu. "Não acredito em mais nada do que dizes."

Fui para o nosso quarto. Ele seguiu-me.

"O que estás a fazer?", perguntou ele, a ver-me a tirar malas do armário.

"Vou-me embora."

"Não, não vais!", gritou ele, o pânico na sua voz. "Tu não me podes deixar. Eu fiz-te! Tu não és nada sem mim!"

Aí estava. A verdade.

Eu não era o amor da vida dele. Eu era a sua maior criação. A sua propriedade.

Parei o que estava a fazer e virei-me para ele.

"Tens razão, Diogo. Tu fizeste-me. E agora, eu vou desfazer-me."

Comecei a encher as malas. Não com as minhas roupas. Mas com as dele.

As suas camisas caras, os seus sapatos italianos, os seus relógios de luxo.

"O que estás a fazer? Estás louca?", gritou ele.

Ignorei-o.

Fui ao nosso estúdio de música. Peguei na minha guitarra portuguesa personalizada. A que ele me ofereceu no meu aniversário, com uma grande festa e fotógrafos da imprensa.

"Um presente para a minha rainha," dissera ele na altura.

Peguei na guitarra. Peguei nas joias que ele me deu. Nos vestidos de designer que ele comprou.

Levei tudo para a sala de estar.

Diogo observava-me, impotente, sem entender.

Na manhã seguinte, em vez de ir para o estúdio de gravação, fui para a Feira da Ladra.

Estendi um pano no chão e coloquei tudo à venda.

A guitarra de milhares de euros? Vinte euros.

O colar de diamantes da noite anterior? Dez euros.

Os vestidos de alta-costura? Cinco euros cada.

As pessoas juntaram-se, incrédulas.

"É a Sofia, a fadista!"

"O que é que ela está a fazer?"

Alguém da imprensa apareceu. Um fotógrafo começou a tirar fotos.

Um escândalo mediático estava a nascer.

E eu estava no centro dele, a sorrir.

Era o meu primeiro ato de libertação. A venda simbólica da vida que ele construiu para mim.

Eu estava a queimar as pontes. E a cinza ia sufocá-lo.

                         

COPYRIGHT(©) 2022