Eu não respondia. Apenas olhava, sentia a dor a instalar-se no meu peito, e depois apagava.
Era um ritual diário de tortura.
Uma noite, Diogo chegou a casa mais tarde do que o habitual. Eu estava no sofá, a olhar para o nada.
"Sofia, meu amor, desculpa o atraso. Tive uma reunião terrível."
Ele sentou-se ao meu lado, exausto.
"Estás bem? Pareces tão distante ultimamente."
"Estou bem," repeti a mentira.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo. "Eu sei que a pressão é muita. Os prémios, o casamento... Mas vai valer a pena. Depois disto, tiramos umas férias longas. Só tu e eu. Onde queres ir? Maldivas? Seychelles?"
Ele falava de um futuro que sabia que não ia existir.
Nesse momento, o meu telemóvel vibrou. Era ela.
Uma fotografia. Diogo a dormir ao lado dela, nu. A data e a hora na imagem eram de há menos de uma hora. A "reunião terrível".
O meu coração parou por um segundo.
"Quem é?", perguntou Diogo, a tentar espreitar o ecrã.
"Spam," disse eu, a desligar o telemóvel rapidamente.
Levantei-me. "Vou tomar um banho."
No chuveiro, deixei a água quente cair sobre mim, mas não conseguia aquecer o frio que sentia por dentro.
Eu estava sozinha nisto. Completamente sozinha.
Na semana seguinte, havia uma gala de beneficência de luxo no Casino Estoril. Era um evento importante para a elite de Lisboa.
Diogo insistiu que fôssemos. "Temos de ser vistos, meu amor. É bom para a nossa imagem."
A nossa imagem. Sempre a imagem.
Vesti um vestido longo e preto, elegante e sóbrio. Diogo usava um smoking impecável. Parecíamos o casal perfeito.
Os fotógrafos disparavam os seus flashes. Sorrimos. Demos as mãos. Representámos.
Dentro do salão, o ar estava carregado de perfume e falsidade. Amigos de Diogo vieram cumprimentar-nos.
"Sofia, estás deslumbrante!"
"Diogo, meu sortudo!"
Eles sabiam. Eu via nos olhos deles. A forma como me olhavam com uma mistura de pena e desprezo. Eles sabiam do caso. E participavam na farsa.
Durante o leilão de beneficência, um dos itens era um raro vinil autografado de Amália Rodrigues. A minha maior inspiração.
Diogo levantou a sua placa. "Dez mil euros."
Outra pessoa licitou. Diogo aumentou. A sala ficou em silêncio, a observar o espetáculo.
"Vinte e cinco mil euros," disse Diogo, com um sorriso confiante.
Ninguém mais licitou. O martelo bateu.
"Vendido ao senhor Diogo Alencar!"
Ele virou-se para mim e beijou-me na testa, para que todos vissem. "É para ti, meu amor. A rainha merece um presente da rainha."
O meu coração, estúpido e traidor, sentiu uma pontada de esperança. Talvez eu estivesse errada. Talvez ele ainda me amasse.
Então, eu vi-a.
Carolina estava do outro lado do salão, a usar um vestido vermelho-vivo que gritava por atenção.
Ela não estava na lista de convidados oficial. Devia ter entrado com alguém.
Ela olhou para mim, depois para Diogo, e sorriu. Um sorriso vitorioso.
O meu estômago gelou.
Diogo seguiu o meu olhar e viu-a. Por uma fração de segundo, vi pânico nos seus olhos. Mas ele recuperou-se rapidamente.
"Ignora-a," sussurrou ele ao meu ouvido. "Ela é insignificante."
Mas ela não era insignificante. Ela era um cancro na minha vida.
Ela começou a caminhar na nossa direção. Lenta, deliberadamente.
Cada passo dela era uma provocação.
Parou a poucos metros de nós, ao lado de um grupo de amigos de Diogo que a cumprimentaram com beijos e abraços.
Ela ria, tocava no braço de Diogo de forma casual, como se tivesse todo o direito de o fazer.
Ele parecia desconfortável, mas não a afastou. Não na frente de todos.
Senti os olhares de toda a sala sobre nós. O drama era mais interessante do que qualquer leilão.
Sofia, a fadista de ouro. Diogo, o noivo perfeito. E Carolina, a amante descarada.
Era um espetáculo humilhante.
Eu queria fugir, mas as minhas pernas não se mexiam. Estava paralisada, presa no palco da minha própria desgraça.