Eu me arrastei até a janela, uma fresta estreita na rocha escura, e olhei para baixo. O pátio estava decorado com lanternas flutuantes e tecidos de seda. Deuses e nobres de vários reinos estavam presentes, todos rindo e bebendo. No centro de tudo, em um trono elevado, estavam Kael e Lira. Ele a olhava com uma adoração que era quase dolorosa de se ver. Ele levantou uma taça, e o silêncio caiu sobre a multidão.
"Aos meus amigos e aliados", a voz de Kael ressoou pelo pátio, amplificada por sua magia. "Hoje, celebramos a vida. Celebramos a recuperação da minha amada Lira, que em breve se tornará minha rainha e trará uma nova era de paz e prosperidade!"
Aplausos e vivas explodiram. Kael se inclinou e beijou Lira, um beijo longo e apaixonado, para que todos vissem. Eu desviei o olhar, sentindo um gosto amargo na boca. Era um espetáculo de poder e romance, construído sobre a minha dor e o meu sacrifício. Eu era a fundação invisível e quebrada sobre a qual a felicidade deles estava sendo erguida.
Alguns dos convidados, nobres mais antigos que me conheciam há séculos, cochichavam entre si. Eu podia ver seus olhares de relance em direção à minha torre, suas expressões de pena ou curiosidade.
"E a Senhora Elara?", ouvi uma deusa sussurrar para sua companheira. "O que será dela?"
"Silêncio", disse a outra. "O Senhor do Abismo não tolera perguntas. Dizem que ela está... indisposta."
Kael deve ter sentido os olhares, pois seu rosto se endureceu por um momento. Ele varreu a multidão com um olhar gelado, e os sussurros morreram instantaneamente. Ele era o mestre absoluto, e ninguém ousava questionar suas decisões.
A festa continuou, mas de repente, um grito cortou o ar. Um dos portais dimensionais que serviam como entrada para o palácio se desestabilizou. Uma criatura sombria, um demônio do caos que havia sido banido há eras, emergiu do portal instável, seus olhos vermelhos brilhando de malícia. O pânico se espalhou pela multidão.
Kael se levantou instantaneamente, empurrando Lira para trás dele. "Protejam-na!", ele gritou para seus guardas.
O demônio ignorou todos os outros e avançou diretamente para Kael, o ser mais poderoso presente. A batalha foi rápida e violenta. Kael era forte, mas o demônio era astuto e usou o caos do ambiente a seu favor. Em um movimento rápido, o demônio lançou um feixe de energia negra. Kael tentou bloqueá-lo, mas o ataque foi mais poderoso do que ele esperava.
E então, o impensável aconteceu. No último segundo, quando o feixe estava prestes a atingi-lo, Kael se moveu. Ele não se esquivou para o lado. Ele agarrou o braço de um guarda que estava perto e o usou como escudo. Mas ele não parou por aí. Com um movimento fluido e cruel, ele me puxou. Eu não sei como. Talvez fosse um feitiço de teletransporte, um puxão de sua vontade divina. Em um piscar de olhos, eu estava fora da minha torre e diretamente na frente dele, entre ele e o ataque do demônio.
Tudo pareceu acontecer em câmera lenta. O olhar de surpresa no meu próprio rosto refletido nos olhos de Kael. O pânico tardio que surgiu em sua expressão quando ele percebeu o que tinha feito. O grito de Lira.
O feixe de energia negra me atingiu em cheio.
A dor foi absoluta, uma aniquilação. Senti meu corpo se desintegrando, minha essência sendo rasgada. Eu caí no chão, a vida se esvaindo de mim como areia por entre os dedos. O mundo se tornou um borrão de som e cor.
A última coisa que vi foi o rosto de Kael. O demônio, tendo desferido seu golpe, recuou de volta para o portal, que se fechou. O pátio ficou em silêncio mortal. Kael caiu de joelhos ao meu lado, o horror estampado em seu rosto.
"Elara...", ele sussurrou, a voz embargada. Ele estendeu a mão para me tocar, mas hesitou, como se tivesse medo de me quebrar ainda mais. "Eu... eu não queria..."
Eu tentei falar, mas apenas sangue borbulhou em meus lábios. O arrependimento em seus olhos era real, eu podia ver. Mas veio tarde demais. Tarde demais.
"Você... me usou...", consegui sussurrar, a voz um sopro de morte.
"Não... eu...", ele começou a dizer, mas as palavras morreram em sua garganta. A culpa e o remorso o engolfaram. Ele finalmente entendeu. O preço de sua ambição, de sua escolha, estava ali, morrendo em seus pés. E era um preço que ele nunca poderia pagar.