Cinzas de Um Amor Perdido
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Capítulo 1

Sofia correu pelas ruas molhadas da cidade, o ar frio queimando seus pulmões já fracos, o capuz de seu moletom surrado encharcado pela garoa fina, mas persistente. Cada passo era um esforço, um protesto de seus músculos que já começavam a traí-la. Ela não olhou para trás, não ousava, o medo de ver os portões daquele centro de reabilitação, que mais parecia uma prisão, a impulsionava para frente. Liberdade. A palavra ecoava em sua mente, mas não trazia alegria, apenas um vazio gelado.

Seu primeiro ato como uma mulher livre não foi procurar um abrigo ou comida, mas sim entrar em um prédio de vidro espelhado com uma placa discreta: "Instituto de Pesquisa Médica Avançada". Lá dentro, o cheiro de antisséptico era forte, e uma recepcionista de olhar cansado a observou com desinteresse. Sofia não hesitou, sua voz saiu rouca, mas firme.

"Eu quero assinar o termo de doação de corpo para a ciência."

O homem que a atendeu, um médico de meia-idade com olhos gentis chamado Dr. Lucas, a levou para uma sala silenciosa. Ele a examinou com uma expressão de preocupação, notando sua palidez e a forma como suas mãos tremiam sutilmente.

"Você tem certeza disso, senhorita?", ele perguntou, sua voz calma. "Este é um novo programa experimental, usamos um reagente químico para acelerar a pesquisa. O processo... é irreversível e completo. Seu corpo será dissolvido."

Sofia apenas assentiu, um sorriso fraco e melancólico em seus lábios. "Eu sei, é por isso que estou aqui."

Dr. Lucas suspirou, empurrando uns papéis sobre a mesa. "Há uma compensação financeira significativa. Cinquenta mil reais. Precisamos que você nos diga para quem o dinheiro deve ser enviado após... o procedimento."

"Para o Orfanato Santa Clara", ela disse sem pensar duas vezes. Aquele lugar era a única lembrança boa de sua infância, antes de tudo desmoronar.

Enquanto ela assinava os papéis, sua mão direita falhou por um instante, um espasmo violento a fez borrar a assinatura. Dr. Lucas notou, sua expressão se tornando mais séria. Ele a guiou para uma sala de exames, insistindo em fazer alguns testes rápidos. A verdade veio logo depois, fria e clínica como o ambiente ao redor.

"Sofia", ele começou, com uma delicadeza que ela não ouvia há anos, "seus sintomas... são consistentes com Esclerose Lateral Amiotrófica. ELA. É uma doença degenerativa, e está em um estágio avançado. Você tem pouco tempo. Talvez alguns meses."

A notícia não a chocou, era apenas a confirmação do que seu corpo já lhe dizia aos gritos. Ela se sentiu estranhamente calma, como se uma jornada longa e dolorosa estivesse finalmente chegando ao seu destino. A morte não era mais um monstro no escuro, era uma certeza, uma espécie de libertação.

Com o cheque da compensação em mãos, ela saiu do instituto. O plano era simples: depositar o dinheiro e depois visitar o túmulo de sua família uma última vez. Mas ao virar a esquina, seu coração gelou. Dois homens de terno, com rostos familiares e cruéis, estavam parados ao lado de um carro preto. Eram os homens de Pedro, o diretor do centro de reabilitação.

"Sofia, sua ladra de merda!", um deles gritou, apontando para ela. "Onde você pensa que vai com o dinheiro que roubou?"

O pânico a dominou. Sofia se virou e correu, o corpo protestando a cada movimento. Ela não olhava para onde ia, apenas fugia dos demônios de seu passado recente. Em sua pressa desesperada, ela trombou com força em alguém, o impacto a jogando no chão frio e molhado.

"Olha por onde anda, sua...", a voz masculina parou abruptamente.

Sofia ergueu os olhos, e seu mundo, que já estava em ruínas, se partiu em mais um milhão de pedaços. Aquele cheiro, uma mistura de sândalo e tabaco caro, ela o reconheceria em qualquer lugar. Gabriel. Seu Gabriel. Ele a olhava de cima, a chuva escorrendo por seu rosto perfeitamente esculpido, mas seus olhos, aqueles olhos que um dia a olharam com tanto amor, agora estavam cheios de um desprezo cortante.

"Sofia?", ele cuspiu o nome dela como se fosse veneno.

Os homens de Pedro a alcançaram, a agarrando pelos braços. "Aí está ela, senhor Gabriel! Essa vadia roubou o centro de reabilitação!"

Gabriel não se moveu, seu olhar fixo nela, frio como gelo. Ele a analisou no chão, suja, magra, patética. "Então é isso que você se tornou? Uma ladra?"

Antes que Sofia pudesse dizer qualquer coisa, uma voz feminina e doce soou ao lado de Gabriel. "Gabi, o que está acontecendo? Quem é essa... mulher?"

Isabella. Sua inimiga de infância, a garota que sempre a atormentou, agora estava ali, agarrada ao braço de Gabriel, usando um vestido caro e um anel de diamante que brilhava mesmo na luz fraca do dia chuvoso. Ela olhou para Sofia com um misto de pena e triunfo.

Gabriel passou o braço ao redor de Isabella de forma protetora. "Não é ninguém, meu amor. Apenas lixo."

A humilhação a atingiu com a força de um soco. Gabriel, o mesmo garoto que a defendia dos insultos de Isabella na escola, agora estava ao lado dela, a chamando de lixo. Uma memória rápida a assaltou: o pátio da escola, Isabella a empurrando na lama, e um jovem Gabriel correndo para ajudá-la, limpando seu rosto e dizendo que sempre a protegeria.

Outra memória, mais forte, mais dolorosa, veio em seguida. Eles, mais velhos, deitados na grama, olhando as estrelas. Ele prometendo a ela um futuro, uma vida inteira juntos. "Eu te amo, Sofia. Para sempre." O "para sempre" dele havia sido destruído por um incêndio, por uma mentira. Um incêndio onde a irmã dele morreu, e Sofia, por um juramento feito à beira da morte, assumiu uma culpa que não era sua. E Gabriel, em sua dor, a odiou. Um ódio que Isabella alimentou com prazer, até tomar o lugar que um dia foi de Sofia.

"Levem-na", a voz de Gabriel a trouxe de volta à realidade brutal. Ele se virou, abraçando Isabella e a guiando para longe da cena, como se a simples presença de Sofia fosse uma contaminação.

Enquanto os homens a arrastavam, Sofia não lutou, seu corpo doente e seu coração partido não tinham mais forças, ela apenas observava as costas de Gabriel se afastarem, levando com ele os destroços do que um dia foi o amor de sua vida.

            
            

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