Via o rosto de sua irmã, Sofia, sorrindo com um carisma que cativava o mundo, um sorriso que Laura mesma ajudou a construir, pagando seus cursos, promovendo suas redes sociais, sacrificando seus próprios sonhos de arquiteta para que Sofia pudesse brilhar como influencer. Via o rosto de Gabriel, o artista plástico por quem se apaixonou, cujos olhos expressivos um dia a olharam com uma promessa de futuro. E então, via os dois juntos, o sorriso de Sofia agora malicioso, os olhos de Gabriel agora frios para ela, quentes para sua irmã. A traição não foi um evento único, foi uma campanha de humilhação lenta e pública. A frase que Sofia usou para justificar o roubo do seu amor ecoava em sua mente moribunda: "Era para ser, Laura, nosso amor com Gabriel é o destino". E Laura, devastada, acreditou. Agora, morrendo sozinha na beira de uma estrada escura, ela via a futilidade de tudo. Sua dedicação, seu sacrifício, seu amor, tudo se transformou em pó e cinzas. O amuleto de família, sua última esperança de expor a verdade, estava quebrado em seu bolso, o mesmo amuleto que Sofia e Gabriel tentaram arrancar dela momentos antes do acidente, revelando a ganância deles. O último pensamento de Laura não foi de ódio, mas de um cansaço profundo, um desejo de que tudo simplesmente acabasse.
De repente, a escuridão absoluta foi rompida por uma luz fria e impessoal, e uma voz mecânica, sem emoção, soou em sua mente.
"Anomalia detectada no enredo. Personagem coadjuvante 'Laura' terminada prematuramente."
Laura não tinha corpo, não sentia dor, era apenas uma consciência flutuando no vazio. A confusão era a única sensação que restava.
"Ativando protocolo de reinicialização de emergência. A personagem 'Laura' será reinserida no ponto de controle anterior. Objetivo: garantir a conclusão da trama principal 'O Amor Destinado de Gabriel e Sofia'."
A voz parou, e a luz fria a envolveu completamente. Uma força irresistível a puxou, e a sensação de ter um corpo retornou de forma abrupta e violenta. Ela abriu os olhos com um sobressalto, o ar enchendo seus pulmões com um ardor familiar. Ela estava em seu próprio quarto, na cama que dividia com Gabriel. A luz do sol da manhã filtrava pela janela, a mesma luz da manhã do dia em que sua vida começou a desmoronar. O celular dela vibrou na mesinha de cabeceira. Era uma mensagem de Sofia. "Irmã, pode me emprestar dinheiro de novo? É para uma coisa muito importante para a minha carreira." Na vida passada, ela transferiu o dinheiro sem hesitar.
Laura olhou para a mensagem, o texto borrado por uma onda de náusea. O trauma da morte ainda pulsava em suas veias, fresco e aterrorizante. Ela olhou para o outro lado da cama. Vazio. Gabriel não tinha dormido em casa. Na vida passada, ele diria que passou a noite no ateliê, trabalhando. Agora, Laura sabia onde ele realmente estava. A raiva e a dor lutavam dentro dela, mas por baixo de tudo, uma nova sensação brotava, fria e dura como aço. A voz em sua mente tinha sido clara, ela era uma "personagem coadjuvante" destinada a ser um sacrifício. Não desta vez. Ela não seria o degrau para a felicidade de ninguém.
Ela pegou o celular, não para responder a Sofia, mas para abrir o aplicativo do banco. Com dedos firmes, transferiu a maior parte de suas economias, o dinheiro que guardava para a entrada de uma casa com Gabriel, para uma conta secreta em seu nome. Depois, abriu o contato de seus pais. "Mãe, pai, vou visitar vocês no fim de semana. Preciso conversar sobre meu futuro." Ela estava cortando os laços, um por um. Não haveria mais sacrifícios. Ela iria construir sua própria vida, longe da sombra de Sofia e da traição de Gabriel. Ela apagou a mensagem de Sofia sem responder e bloqueou o número. Um pequeno ato, mas que pareceu um grito de liberdade.
Gabriel chegou em casa no meio da tarde, parecendo cansado, mas com um brilho satisfeito nos olhos. Ele tentou beijá-la, mas Laura se afastou.
"O que foi, amor? Aconteceu alguma coisa?", ele perguntou, a preocupação em sua voz soando falsa aos ouvidos dela.
"Não aconteceu nada", disse Laura, com uma calma que o surpreendeu. "Só estou cansada."
"Você viu a mensagem da Sofia? Ela precisa daquele dinheiro para o novo contrato de publicidade. É a grande chance dela", ele disse, casualmente, como se fosse a coisa mais natural do mundo pedir que Laura financiasse a irmã.
"Eu vi. Não vou mandar", respondeu ela, sem encará-lo, focada em dobrar uma pilha de roupas.
O rosto de Gabriel se fechou. "Como assim, não vai mandar? Laura, é a sua irmã. Você sempre a apoiou."
"As coisas mudam, Gabriel", ela disse, finalmente olhando para ele. Seus olhos não tinham mais a adoração de antes, apenas uma frieza polida. "Eu tenho meus próprios planos agora."
A discussão que se seguiu foi feia. Gabriel a acusou de ser egoísta, de ter inveja do sucesso da irmã. Cada palavra dele era uma faca, mas uma faca que não a cortava mais. Ela já tinha sangrado até a morte por causa daquelas palavras. Agora, elas eram apenas ruído. O conflito estava escalando, o mal-entendido se aprofundando, e pela primeira vez, Laura se sentia no controle. Ela não estava reagindo, estava observando, como uma espectadora de sua própria vida antiga.
Mais tarde naquela noite, enquanto fingia dormir, Laura ouviu Gabriel falando baixo ao telefone no jardim. Ela se aproximou da janela, escondida pela cortina. Ele estava falando com Sofia.
"Não se preocupe, meu amor. Eu dou um jeito. Vendi aquele relógio que meu avô me deu. O dinheiro já está na sua conta", a voz de Gabriel era um sussurro carinhoso, um tom que ele não usava com Laura há meses. "Faço qualquer coisa por você. Você sabe disso."
Laura sentiu o coração apertar, um eco fantasma da dor que a destruiu. O relógio era a única herança de valor sentimental que Gabriel possuía. Na vida passada, ele o vendeu para pagar uma dívida de jogo que ele inventou para justificar a falta de dinheiro, enquanto na verdade estava financiando os luxos de Sofia. Ver aquilo de novo, sabendo da verdade, era a confirmação final. O sacrifício dele nunca foi por ela, seu amor nunca foi para ela. Ele estava disposto a abrir mão de suas memórias mais preciosas por Sofia.
Laura recuou da janela, o último resquício de sentimento por ele se desfazendo como fumaça. Ela voltou para a cama e se deitou. A voz mecânica ecoou em sua mente: "Garantir a conclusão da trama principal". Uma risada silenciosa e amarga escapou de seus lábios. A trama deles. O destino deles. Ela fechou os olhos, não para dormir, mas para planejar. Ela não era um personagem coadjuvante. Ela era a protagonista de sua própria história, e o primeiro ato seria sua fuga. "Eu desisto", sussurrou para o quarto vazio. "Eu desisto de ser a sua 'Laura'."